Basta uma única mosquinha sobrevoando a mesa para ligar o sinal de alerta: quem está por perto corre para espantar o inseto, na tentativa de evitar seu contato com a comida a todo custo. Quando já é tarde demais, o jeito é reparar o estrago. Os mais precavidos tratam de descartar o pedaço em que o bicho pousou e isolar a área, para garantir que o visitante indesejado não volte a dar as caras durante a refeição.
Embora possa parecer para alguns, não se trata apenas de excesso de cuidado. Alimentos de fato podem ficar contaminados graças à breve visita de uma mosca, tudo por conta dos hábitos pouco higiênicos desses insetos. Durante seus voos, eles acabam se alimentando de tudo que é tipo de detrito. Restos como fezes, animais mortos e matéria orgânica em decomposição estão recheados de micróbios, que ficam grudados em suas asas e patas e podem se desprender na próxima aterrissagem.
Um estudo recente, publicado no jornal Scientific Reports, cravou que uma mosca doméstica, por exemplo, pode carregar até 351 bactérias diferentes. No caso da varejeira, também conhecida como mosca verde, são 316 tipos de microrganismos — alguns deles, inclusive, nocivos à saúde humana.
“Em geral, estas bactérias são oportunistas e potencialmente patogênicas, causando doenças do trato gastrointestinal, do trato urinário, úlceras estomacais, infecções cutâneas e respiratórias”, explicou Ana Carolina Martins Junqueira, professora de genética e genômica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em entrevista a SUPER. Coordenando uma equipe internacional de cientistas, ela analisou 116 exemplares dessas moscas, coletados em áreas urbanas do Brasil, EUA e Cingapura.
Para capturar as moscas, os pesquisadores utilizaram um método inovador, testado pela primeira vez em insetos. Cada mosquinha era atraída pelo cheiro de restos de peixe em decomposição, até ficar presa em um recipiente com gelo seco. O vapor do gelo seco era capaz de sedá-las, fazendo-as cair “desmaiadas” — e, o melhor de tudo, sem estar contaminadas por agentes externos.
Com as mosquinhas fora de combate, o grupo tinha o caminho livre para analisá-las geneticamente. Isolando o DNA presente em partes como as asas, pés e patas dos insetos, conseguiu-se identificar os corpos estranhos que estavam presentes ali. O resultado você já conhece: as amostras das duas moscas indicaram a presença de mais de centenas de microrganismos diferentes.
Exemplares de moscas coletados aqui no Brasil, por exemplo, indicaram a presença de Helicobacter pylori, bactéria que causa úlceras e gastrite em humanos. “É a primeira vez que se propõe que moscas varejeiras podem ter um papel na dispersão de H. pylori. Isso significa que esta pode ser uma via de dispersão da bactéria que jamais foi considerada”, pontua Junqueira. Entre as formas de contágio mais comuns estão o contato com alimentos, água, salivas e fezes contaminadas.
A sobrevivência dessas bactérias no corpo dos insetos depende de sua capacidade de formar esporos — estruturas que garantem sua proteção até que encontrem um lugar propício para crescerem —, o que varia de espécie para espécie. “No caso da H. pylori, já foi demonstrado que as células podem sobreviver por 12 horas expostas ao ar”. Considerando que o tempo de vida de uma mosquinha costuma ser de 28 dias, a chance de que um inseto que teve contato com algo contaminado pouse em seu sanduíche é maior que se imagina.
Segundo o estudo, moscas urbanas costumam carregar mais bactérias do que as que as encontradas em zonas rurais. Isso sugere que o potencial nocivo desses insetos aumenta onde há maior concentração de pessoas. Para a pesquisadora, o potencial desses insetos como transmissores de doenças tem sido subestimado. As pragas urbanas mais visadas por ações de saúde pública acabam sendo os mosquitos, que, por sua vez, costumam carregar um número de microrganismos bem menor. “As moscas servem como meios de transporte de bactérias e, neste processo, são mais genéricas em relação à quantidade e diversidade de microrganismos que carregam”.