“Se não fosse pelos ratos, eu não teria emprego”, diz Phil Merrill, chefe do programa de controle destes animais na Província de Alberta, no Canadá.
“Não gosto deles, mas também não os odeio. Tenho respeito. São pequenas criaturas que se adaptam. E são desafiadoras.”
Em muitos aspectos, os ratos-castanhos, também conhecidos como ratazanas, impressionam. São reprodutores extremamente prolíficos, com períodos curtos de gestação e ninhadas numerosas.
Comem praticamente tudo – lixo doméstico, carne podre, grãos – e habitam qualquer lugar em que haja gente vivendo. Podem roer metais, nadar longas distâncias, sobreviver a quedas de 15 metros, aparecer dentro do seu vaso sanitário e, ao que parece, até sentir empatia.
Originalmente nativos do norte da China, esses ratos se espalharam por todos os continentes, com exceção da Antártida. E, enquanto inúmeras outras espécies estão em declínio, esta parece estar prosperando – sobretudo, nas cidades.
São considerados uma das espécies mais invasoras do mundo, por prejudicar a vida selvagem, danificar propriedades, contaminar alimentos e transmitir doenças.
Eles custam US$ 19 bilhões (R$ 71,8 bilhões) por ano, um sexto da estimativa anual de US$ 120 bilhões (R$ 453,3 bilhões) para todas as espécies invasoras. Em 2017, o prefeito de Nova York prometeu US$ 32 milhões R($ 120,9 milhões) para o combate aos roedores. Em Mumbai, na Índia, a maioria dos incêndios em veículos é causada por ratos.
E, embora a lenda urbana de que você nunca está a mais de dois metros de distância de um rato não se sustente, é provável que você não esteja muito longe de um agora.
A não ser que você esteja na província canadense de Alberta, que abriga as cidades de Calgary e Edmonton. Com uma população de cerca de 4,3 milhões de habitantes, Alberta é conhecida pelo petróleo, pelos parques nacionais e pelo hóquei no gelo.
Mas também é famosa por um atributo menos conhecido: é o único local do mundo com população urbana e rural significativa que não sofre com a infestação de ratos.
Mas como uma área do tamanho do Texas alcançou um feito sem precedentes em qualquer parte do mundo? E o que Alberta ganhou impedindo a entrada dos roedores?
Guerra aos ratos
“Nós temos sem dúvida uma vantagem geográfica”, conta Merrill.
“Começamos (o combate) antes de termos ratos – eles chegaram à nossa fronteira ao leste por volta de 1950. Dissemos então que não queríamos ratos, então, vistoriamos todas as fazendas ao longo da fronteira, onde eles estavam, e colocamos veneno. Simplesmente, não permitimos que mais nenhum rato entre.”
A geografia certamente contribuiu – para o que pode ser considerada uma grande área, há poucas portas de entrada em potencial.
Os ratos não são capazes de sobreviver ao frio do norte, tampouco nas Montanhas Rochosas a oeste. A fronteira sul com Montana é uma região montanhosa e com densidade demográfica baixa demais para que os ratos se proliferem. Portanto, resta proteger a fronteira leste.
Os ratos chegaram à costa leste da América do Norte no fim do século 18 e se espalharam lentamente em direção a oeste, alcançando a Província vizinha de Saskatchewan na década de 1920. “Não somos mais inteligentes que Saskatchewan”, diz Merrill.
“Os ratos chegaram até eles cerca de 30 anos antes. Os governos [provinciais] na época não eram muito desenvolvidos – Saskatchewan não estava pronta para eles. Quando chegaram à nossa fronteira, tínhamos um departamento de saúde e um departamento de agricultura, um sistema pronto capaz de realmente fazer alguma coisa.”
E eles de fato fizeram. Os ratos foram declarados uma praga em 1950, tornando o controle de roedores obrigatório. O veneno era usado para matar as ratazanas que conseguiam chegar a Alberta e em construções que poderiam abrigar roedores em uma faixa de 300 quilômetros de comprimento e de 20 a 50 quilômetros de largura ao longo da fronteira leste.
Foi estabelecida uma zona de controle de ratos, que está em vigor até hoje, e agentes de controle de pestes (PCOs, na sigla em inglês) foram designados a policiá-la.
Paralelamente, teve início uma campanha educativa para a população. A maioria dos moradores de Alberta nunca tinha visto uma ratazana, então, o governo lançou uma campanha para ajudar a distingui-la dos roedores nativos, distribuindo milhares de cartazes.
“Eles são muito eficazes visualmente”, diz Lianne McTavish, professora de História da Arte, Design e Cultura Visual da Universidade de Alberta, que analisou a temática dos cartazes.
“Se concentraram muito na cauda… queriam que as pessoas focassem nas ratazanas, não em outros tipos (de roedores)”.
Com slogans de apelo emocional como “assim que avistar um rato, mate!” e “eles são uma ameaça à saúde, às casas, à indústria!”, os cartazes tachavam os ratos como invasores e se apoiavam fortemente na retórica da guerra, diz McTavish.
Outra temática usada era a do bom fazendeiro, que mantinha a propriedade limpa, versus o fazendeiro mau, que era desleixado e colocava em risco seus vizinhos.
“Naquela época, havia muitas campanhas – contra coiotes, gafanhotos -, mas a campanha dos ratos, as pessoas realmente apoiavam, e o governo colocou dinheiro, sustentando isso”, explica McTavish.
“Também tinham apelo emocional – ‘eles são invasores, são perigosos’. Conseguiam influenciar as emoções das pessoas e seus medos irracionais em relação aos ratos.”
Detetive de depósito de lixo
Na década de 1950, eram registradas por ano mais de 500 infestações de ratazanas na zona de controle de ratos, mas, na década seguinte, esse número caiu significativamente.
Na década de 1970, diz Merrill, eram cerca de 50 por ano, depois caiu para 10 a 20 nos anos 1990. E, em 2003, pela primeira vez, chegou a zero.
Hoje, a zona é inspecionada rotineiramente, e as infestações são combatidas de maneira eficiente (entre uma e três anualmente é a média). As fazendas mais próximas à fronteira são inspecionadas duas vezes por ano, e uma vez suas áreas adjacentes.
Merrill diz que a modernização da agricultura – mais celeiros de aço, por exemplo – significa que os ratos têm menos acesso à comida. “Nós verificamos pátios de alimentação, estruturas de silagem, celeiros de madeira”, revela.
“Se passamos pela casa de um cara e todos os celeiros são de aço, podemos parar e dizer oi, mas não vamos demorar muito ali. [Os PCOs] podem fazer de 25 a 30 vistorias por dia.”
Os agricultores são encorajados a manter estações com iscas de veneno preventivas contra ratazanas, usando varfarina, um anticoagulante.
Existem venenos mais eficientes, diz Merrill, mas a varfarina tem menos impacto em outras espécies selvagens, uma vez que permanece no organismo do rato por menos tempo – ou seja, tem uma meia-vida biológica mais curta.
Isso faz com que predadores, como falcões, que comem ratos, tenham menos chance de consumir quantidade de veneno suficiente para serem afetados.
Quando ocorrem infestações, a maioria das pessoas aceita ajuda. “Algumas são um pouco relutantes – têm ratos e não querem que as pessoas saibam – mas a maioria só quer se livrar deles. “Voltamos a cada semana até que tenham sido eliminados.”
Há também o trabalho de investigar as denúncias que chegam por meio de uma linha telefônica dedicada. A maioria resulta em casos de erro de identificação – muitas vezes, são ratos almiscarados nativos – mas ratazanas também aparecem.
Na manhã em que conheci Merrill, um homem havia prendido um rato perto de Innisfail, a oeste da zona de controle. Estava em uma garagem que ele compartilhava com um vizinho que tinha acabado de voltar de British Columbia. O rato tinha pego uma carona no carro dele.”Isso é uma coisa comum”, diz Merrill. “Recebemos cerca de dois (telefonemas) por mês que comprovamos ser uma ratazana.”
O conselho dele é: coloque sempre outra ratoeira para confirmar se o roedor não estava acompanhado. “Quando os ratos vêm sozinhos, não é nada demais.”
Mas nem sempre é tão simples assim. Às vezes, Merrill precisa virar detetive, como aconteceu no depósito de lixo da cidade de Medicine Hat, em agosto de 2012.
“Nós tínhamos 21 ratos isolados nas fazendas ao redor e 18 na cidade. Sabíamos que isso significava uma infestação, mas não conseguíamos encontrar (o foco). Fomos ao lixão seis vezes – é muito difícil achar ratazanas nos lixões. Finalmente, um dos PCOs conseguiu encontrá-las à noite”
A infestação ganhou as manchetes dos jornais nacionais e até de alguns internacionais, questionando o status de província “livre de ratos” de Alberta. Em outubro, a infestação havia sido controlada e o ninho destruído. A contagem de corpos, estima Merrill, chegou a pelo menos 300.
Em relação à origem, acredita-se que as ratazanas tenham chegado em meio ao feno deixado em máquinas agrícolas que foram levadas para Alberta para reciclagem.
Fazendo as contas
Merrill, de 67 anos, atua no controle de pestes desde 1970. Ele é rápido em apontar mudanças que tornam seu trabalho mais fácil, como as construções agrícolas modernas e a adoção de mecanismos de controle em Saskatchewan, onde as taxas de infestação estão caindo.
Há também o apoio de cada cidade de Alberta, que designa um agente para ajudar no controle de ratazanas quando necessário. O programa de controle de ratos em si custa menos de US$ 372 mil por ano, o que cobre os salários de Merrill, seis agentes da zona de controle de ratos e iscas.
Parece um investimento inteligente. Em 2004, o Alberta Research Council (ARC) estimou que o custo anual de ter ratos seria de US$ 31,6 milhões.
Os números foram baseados parcialmente em um estudo americano que supunha que cada rato adulto consumia ou destruía grãos e outros materiais avaliados em US$ 15 por ano. Isso incluiu incêndios causados por ratos que roem a fiação, alimentos contaminados e perdas ligadas a doenças.
O ARC estimou então que, se cada fazenda tivesse 20 ratos e cada residência, um rato, então a população de ratos de Alberta seria de 2,1 milhões. Larry Roy, coautor do relatório da ARC, acredita que era “uma estimativa bem razoável e crível na época”.
Estimar o impacto econômico de espécies invasoras como ratos é difícil, afirma, e obter dados mais precisos exigiria um trabalho de pesquisa caro. “Se você está na área de magnitude geral, isso é bastante razoável”, diz ele. “Não tenho dúvida de que o programa economiza milhões e milhões em controle de ratos a cada ano”.
Delinda Ryerson, diretora-executiva do Conselho de Espécies Invasoras de Alberta, acredita que a estimativa “está dentro da média, mas pode ser conservadora”. É difícil avaliar, por exemplo, o potencial impacto sobre a fauna nativa – como os pássaros que fazem ninho no solo, cujos ovos seriam vulneráveis a ratos.
Quando se trata de saúde, não há informações suficientes para avaliar o que significa ser “livre de ratos” para Alberta, diz Kaylee Byers, pesquisadora na Universidade de British Columbia, que estuda os riscos à saúde dos ratos urbanos.
“Não há realmente nenhuma estimativa do impacto dos ratos sobre a saúde dos canadenses, e isso é em grande parte porque não temos dados sobre isso”, diz ela, que está trabalhando com o Vancouver Rat Project para tentar fechar essa lacuna de conhecimento.
As lições de Alberta
Será que a experiência de Alberta pode ajudar outras cidades no mundo? Atualmente, os projetos de controle de ratos envolvem a erradicação de populações consolidadas, em vez de impedir a entrada dos roedores. Os motivos também são diferentes: a iniciativa de Alberta foi em grande parte econômica.
“Acredito que muitas das erradicações em todo o mundo são uma análise de custo-benefício, mas é muito difícil quantificá-las e, na maioria dos casos, estamos fazendo isso para a conservação da vida selvagem nativa, e não devido a uma perspectiva financeira”, diz Tony Martin, que liderou o recente projeto de erradicação de ratos na Geórgia do Sul, ilha do Atlântico Sul.
Lá, os ratos foram envenenados por iscas tóxicas lançadas de helicóptero em um projeto de oito anos que custou 10 milhões de libras.
O trabalho de Martin foi financiado em grande parte por doações. Ele diz que aplicar uma perspectiva financeira aos projetos de erradicação pode significar “que o dinheiro para fazer o trabalho esteja mais disponível prontamente”.
Segundo ele, embora os dois projetos sejam muito diferentes, ele tem “uma enorme admiração” pelo o que Alberta alcançou. “O fato de terem conseguido muito mais do que em qualquer outro lugar do mundo é absolutamente surpreendente. Isso é único; não é apenas uma cidade que conseguiram manter livre de ratos, é um vasto território.”
Ele destaca a opinião pública como o “fator mais importante” na realização de projetos bem-sucedidos: “Você precisa ter o interesse e o apoio da população para realizá-lo”.
A oposição de apenas alguns pode inviabilizar a iniciativa – na Ilha de Lord Howe, na Austrália, a erradicação de ratos só começou após 20 anos de discussão.
A Nova Zelândia, por exemplo, anunciou um projeto ambicioso para se livrar dos predadores invasores até 2050 para proteger sua biodiversidade. A ideia foi bem-recebida por muitos, mas já conta com muitas vozes dissonantes.
Em Alberta, no entanto, não parece haver muito debate sobre o controle de ratazanas. McTavish diz que quando se mudou para lá em 2007, percebeu que as pessoas “pareciam muito orgulhosas” em relação a isso.
“Parecia estar ligado à identidade de Alberta: ser de Alberta significava saber disso e participar disso”, diz ela.
Para Phil Merrill, o apoio da população é essencial para o controle: “Se temos uma infestação no quintal de alguém, ficamos sabendo na hora. Sabemos que as pessoas vão avisar.”
Há alguns dissidentes – pessoas que se opõem à proibição dos ratos de estimação (alguns desrespeitam a lei, e há uma petição há três anos para mudá-la), além de partes da indústria de animais que cria cobras (que se alimentam de ratos congelados). Mas, em sua maioria, “as pessoas estão muito, muito felizes por não terem que lidar com ratos”.
“Tem alguns defensores de animais que acham que estamos implicando com os ratos, e acho que estamos, mas temos um bom argumento: amamos ratos nativos – como os almiscarados. Se ele pode viver no meio ambiente sem o homem, ótimo. Mas se depende da nossa comida, do nosso lixo e do nosso abrigo, então, não é bem-vindo.”