Um novo artigo publicado em 4 de março na revista científica Journal of Medical Entomology descreve como pesquisadores da Universidade do Estado do Kansas (KSU, sigla em inglês) e do Serviço de Pesquisa Agrícola do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos avaliaram se os mosquitos e maruins podem servir como vetores biológicos para COVID-19. Seus resultados estão de acordo com vários outros estudos já realizados até agora.
“A resposta é que nenhuma das espécies estudadas conseguem manter a replicação do SARS-CoV-2”, diz Richt, Professor Distinto de Medicina Veterinária da Universidade Estadual do Kansas e Diretor do Centro de Doenças Infecciosas Zoonóticas e Emergentes (CEZID, sigla em inglês) da KSU. “Então, entendemos que essas espécies não podem ser vetores biológicos do SARS-CoV-2.”
Grupo altamente especializado
Para encontrar essa resposta, Richt e sua equipe alimentaram os mosquitos Culex tarsalis (pernilongo responsável pela transmissão da Encefalite Ocidental), Culex quinquefasciatus (pernilongo responsável pela transmissão da filariose) e o Culicoides sonorensis (maruim ou mosquito pólvora), com sangue enriquecido com SARS-CoV-2, o coronavírus que causa o COVID-19. Eles também testaram linhagens celulares para ver se o vírus poderia se replicar em cultura de laboratório, ou seja, fora dos organismos dos insetos.
A equipe trabalha com SARS-CoV-2 e outros patógenos mortais em um Laboratório de Biossegurança Nível 3 (BSL-3, sigla em inglês). Um entomologista que trabalha no insetário do laboratório deve usar uma roupa Tyvek (material 100% sintético feito de fibras de polietileno trançado de alta densidade), além de máscara respiradora e sair pela porta hermética, tipo de submarino, o que evita que os insetos escapem da pressão negativa dentro do laboratório. Naquela sala, chamada de troca suja, eles removem seu equipamento de segurança e o uniforme. Em seguida, passam por outra porta para tomar banho e vestir um uniforme limpo e uma máscara para a área comum BSL-3. Para pegar suas roupas de rua, eles saem por outro vestiário de troca suja e tomam banho novamente.
Até agora, a equipe usou essa expertise para examinar uma série de perguntas sobre o COVID-19. E as descobertas neste caso trouxeram boas notícias. Embora eles tenham encontrado baixo nível de RNA viral após 10 dias depois que os insetos ingeriram sangue infectado com vírus, a equipe não encontrou nenhum vírus infeccioso nesses insetos ou nas linhagens de células cultivadas em laboratório. Isso significa que essas espécies não são prováveis vetores biológicos para SARS-CoV-2.
Esses dados estão de acordo com o que sabemos sobre coronavírus: que até agora nunca foram transmitidos por artrópodes, neste caso os mosquitos e os maruins. O SARS-CoV-2 é um vírus respiratório transmitido principalmente por meio de gotículas chamadas aerossóis. Para ser transmitido por mosquitos, um vírus deve passar pelo intestino do inseto, infectar suas glândulas salivares e, em seguida, utilizar o mecanismo celular do mosquito para se replicar. Se o vírus não consegue se replicar, o organismo dos mosquitos torna-se um beco sem saída para o vírus. No grupo dos vírus, um número relativamente pequeno evoluiu para comandar os sistemas internos de transmissão de mosquitos ou outros artrópodes, e todas as pesquisas até agora indicam que o SARS-CoV-2 não é um deles.
A questão se torna um pouco menos certa quando você passa da vetorização biológica para a vetorização mecânica, na qual um inseto pega partículas virais em superfícies (chamadas de fômites) e as move fisicamente em seu corpo. Para responder a essa pergunta, Richt e sua equipe estão analisando moscas domésticas, e esses resultados podem ser pertinentes a mosquitos e maruins que picam também.
“Talvez mosquitos e maruins sejam vetores mecânicos. Isso é algo que poderíamos analisar”, diz Richt. “Existem alguns casos em que não entendemos como o COVID foi transmitido… E acreditamos que, em alguns desses casos, onde você não consegue encontrar nenhuma transmissão direta do vírus a partir da interação com pessoas positivas, que fômites de várias formas poderiam atuar um papel. E, neste cenário, você pode adicionar transmissão mecânica por mosquitos, moscas etc.”.
Sempre pronto
Richt diz que o trabalho feito em seu laboratório protege os sistemas agrícolas e a saúde pública, enquanto sua equipe se ocupa em questões importantes como segurança alimentar e doenças zoonóticas. Não é apenas ciência; é biodefesa – e Richt está pronto para que o público veja que os laboratórios de pesquisa são tão vitais para a segurança nacional quanto um F-15 (laboratório de alto padrão de segurança).
“Tivemos muita sorte em 2003 com o SARS… E tivemos muita sorte em 2009 que o H1N1 não era tão virulento, mas… O próximo poderia ser tão ruim quanto o SARS-CoV-2, ou até pior”, diz ele.
E quando isso acontecer, Richt e sua equipe estarão prontos.
– Matéria produzida por: Melissa Mayer
– Originalmente disponível em: https://entomologytoday.org/2021/03/23/study-confirms-mosquitoes-midges-dont-transmit-coronavirus-covid-19/
– Tradução e revisão: Fábio Medeiros da Costa
– O artigo da pesquisa científica está disponível em:
Velmurugan Balaraman, Barbara S Drolet, Natasha N Gaudreault, William C Wilson, Jeana Owens, Dashzeveg Bold, Dustin A Swanson, Dane C Jasperson, Leela E Noronha, Juergen A Richt, Dana N Mitzel, Susceptibility of Midge and Mosquito Vectors to SARS-CoV-2, Journal of Medical Entomology, 2021; https://doi.org/10.1093/jme/tjab013
– Glossário:
Vetor biológico: https://www.parasitologia.org.br/conteudo/view?ID_CONTEUDO=435
Vetor mecânico: https://www.parasitologia.org.br/conteudo/view?ID_CONTEUDO=435
Fômite: https://www.parasitologia.org.br/conteudo/view?ID_CONTEUDO=419