Navegar ou residir na calha do rio Madeira desde muito tempo se tem conhecimento do constante incômodo causado pelas persistentes e dolorosas picadas dos mosquitos Mansonia. A primeira edição impressa do primeiro jornal de Porto Velho, O “The Porto Velho Times”, trouxe na página principal datada de 04/07/1909, uma matéria com destaque para o potencial local dos mosquitos em que destacou: “Mosquito disable whole ships crew” – Mosquito incapacita a tripulação de navios inteiros, em uma tradução livre (disponível em: https://url.gratis/9ZcvB8 ). Essa é uma clara menção de como esses insetos já afetava a vida de pessoas que transitavam ou residiam ao longo do rio Madeira.
Estudos conduzidos por Cruz e colaboradores em 2009, demonstraram que os Mansonia ocupam 47% de toda a fauna de mosquitos adultos coletados no rio Madeira. Essa dominância acontece pelo fato de que esses mosquitos se adaptaram ao longo de milhões de anos com as condições locais utilizando-as em seu benefício. As larvas e pupas se adaptaram à vida submersa e a respirar por intermédio dos tecidos das raízes das plantas aquáticas flutuantes. Nessas plantas permanecem durante toda a fase imatura camufladas, escondendo-se de seus predadores nas raízes até atingirem a fase adulta, que é terrestre. Essas plantas estão distribuídas pela extensa rede de lagos e rios afluentes que anualmente recebem cargas importantes de nutrientes que são depositados pelo rio Madeira durante as cheias. “Os nutrientes disponíveis nas águas são fundamentais para o crescimento de extensos bancos de plantas flutuantes ou prados flutuantes,” conforme destacou o pesquisador Harald Sioli em seu livro “Amazônia: fundamentos da Ecologia da maior região de florestas tropicais, publicado pela editora Vozes em 1991.
Portanto, há uma vastidão de habitats que são explorados pelos Mansonia, além da oferta de sangue de humanos e animais na região, já que existem muitas comunidades assentadas ao longo do rio, além da extensiva pecuária de corte que é a base da economia rural do Estado de Rondônia.
As fêmeas de Mansonia são muito agressivas quando tentam se alimentar do sangue de um hospedeiro. Elas vêm aos montes e picam indistintamente muitas partes do corpo, tanto de humanos quanto de animais. Ainda bem que elas não transmitem doenças. Mas pelo fato de incomodarem tanto as comunidades, foram o alvo principal de uma pesquisa científica que visou compreender muitos aspectos comportamentais das larvas nos criadouros.
O estudo foi conduzido por pesquisadores de diversas instituições: Instituto de Pesquisa em Patologias Tropicais (IPEPATRO), Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ), Universidad Nacional de Tierra del Fuego da Argentina, Energia Sustentável do Brasil (ESBR) e Oikos Consultoria e Projetos. As amostragens foram realizadas entre 2016 e 2018 em 8 pontos localizados no rio Madeira entre a Foz do rio Jaci Paraná e a Foz do rio Mutum Paraná.
Em todo o estudo foram colecionadas 31.013 larvas de Mansonia e registradas 10 espécies de plantas relacionadas a esses mosquitos. Sendo que 96,2% dessas larvas foram encontradas em Eichornia crassipes, conhecido como aguapé. Esse dado significa dizer que esse vegetal oferece as melhores condições para que as formas imaturas dos mosquitos Mansonia possam se desenvolver.
“Esses dados têm grande relevância para ciência dos mosquitos, Culicidologia, pois orientará as ações de monitoramento e de controle populacional em áreas onde são considerados pragas, além de revelar detalhes sobre a biologia e ecologia do grupo,” relatou o biólogo Fábio Costa, um dos pesquisadores do estudo.
O estudo foi financiado pela Energia Sustentável do Brasil (ESBR) por intermédio do Programa de Saúde Pública da Usina Hidrelétrica Jirau.
Os dados foram publicados em um artigo de uma importante revista internacional sobre controle de mosquitos, a Journal of the American Mosquito Control Association, em agosto de 2021. O artigo está disponível para leitura na íntegra pelo link:
Para leitura e download em PDF: https://meridian.allenpress.com/jamca/article/37/3/143/469459/Evaluation-of-Mansonia-spp-Infestation-on-Aquatic