Indicadores de impacto dos métodos de controle sobre a curva de acidentes escorpiônicos em Americana/SP.

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Impact indicators of control methods on the scorpion accident curve in Americana/SP.
José Brites-Neto, Médico Veterinário, CRMV/SP 11996, Americana/SP, Brasil

De acordo com a Organização Mundial de Saúde, o escorpionismo é um agravo negligenciado na saúde pública (BOCHNER; SOUZA, 2019), envolvendo a exposição de uma população de 2,3 bilhões de pessoas (CHIPPAUX; GOYFFON, 2008), com uma letalidade de 0,27%, incidência global anual de 1,19 milhões de indivíduos acidentados e 3.271 mortes por escorpiões (CHIPPAUX, 2012).

A situação epidemiológica do escorpionismo na maioria dos municípios brasileiros apresenta riscos probabilísticos de acidentes e óbitos por escorpiões cada vez mais acentuados, transformando-se em ameaça frequente ao bem-estar e qualidade de vida da população, com coeficientes de incidência de acidentes por escorpiões triplicados nos últimos dez anos (BRITES-NETO; BRASIL, 2012).

No estado de São Paulo, o número de acidentes (4291 em 2006 e 36109 em 2020, numa linearidade sempre crescente) e de mortes (1 em 2006 e 7 em 2020, com variações entre 0 e 13 óbitos no período) por escorpiões, aumentaram em torno de 700%, sendo a maioria desses agravos causados ​​por Tityus serrulatus (ELOY et al., 2021). O poder público tem uma grande responsabilidade para com o controle dessas espécies sinantrópicas, embora muitos governos locais não o realizem com um mínimo de planejamento, organização e estratégia metodológica (SOUZA, 2010).

As crianças na faixa etária entre 1 e 9 anos sempre sofreram o maior percentual de óbitos e a maior letalidade, principalmente quando receberam atendimento médico tardio com 6 horas ou mais após a picada (SILVA et al., 2015). Entre 2016 e 2020, a notificação de acidentes envolvendo escorpiões no estado de São Paulo, indicou a faixa etária de 0 a 10 anos como a de maior risco percentual de acidentes com maior gravidade (5,87%) e maior letalidade (0,27%), totalizando 36 óbitos (85,7%) do total de 42 óbitos registrado nesse período (ELOY et al., 2021).

Existe uma eterna e infindável discussão no Sistema Único de Saúde (SUS) no Brasil, sobre que melhor caminho devemos seguir para mitigar tais eventos tão drásticos e infelizes para nossas famílias à nível de nossos municípios, que é onde os nossos profissionais de saúde têm que trafegar entre os afãs teóricos resolutivos dos canais gestores superiores e as ações de enfrentamento aos acidentes fatais que determinam perdas de inocentes crianças nos territórios e comunidades periféricas.

Em Americana, já tivemos a triste situação registrada da morte de uma criança de cinco anos por acidente com escorpião em 2013 e a morte de uma criança de três anos em 2017. Aqui, o programa de vigilância e controle de escorpiões (PVCE) da unidade de vigilância em saúde, dentro da secretaria de saúde municipal, tem desenvolvido ações desde 2006, com base nas recomendações de medidas preventivas associadas à captura ativa e manejo ambiental, atribuídas como estratégias de tolerância ao escorpionismo, através de um controle mecânico preconizado (EICKSTEDT et al., 1994).

Ao mesmo tempo, temos enfrentado divergências com vários gestores públicos setoriais em saúde, quanto ao posicionamento do Ministério da Saúde em suas plataformas normativas, desrecomendando especificamente toda e qualquer metodologia que inclua o uso de escorpionicidas no Brasil (BRASIL, 2009).

Diante de tantas polêmicas pouco construtivas, apenas muito polarizadas e politizadas, os técnicos municipais realizaram atividades de controle mecânico como serviços de vigilância em saúde, através da captura noturna de espécimes de T. serrulatus com uso de luz ultravioleta (BRITES-NETO; GALASSI, 2012), somando resultados de 173.854 espécimes coletados no período de 2000 a 2021 (Figura 1).

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Figura 1 – Dados anuais comparativos de escorpiões capturados no município de Americana/SP (uso da técnica com luz ultravioleta a partir de 2006).

No entanto, somente essa ação, mesmo que sempre associada aos trabalhos de educação preventiva de acidentes junto à população, não foi um fator resolutivo para o agravo no município, onde os índices epidemológicos para o escorpionismo são muito elevados, apresentando coeficientes acima de 150 acidentes/100.000 habitantes nos últimos seis anos.

O gráfico de correlação entre acidentes escorpiônicos e captura noturna de escorpiões (Figura 2) demonstrou um crescente número de acidentes no período, com quantitativo mínimo de 108 acidentes em 2009 e máximo de 510 acidentes em 2018. A linha de tendência linear para os acidentes escorpiônicos apresentou um bom ajuste para os dados (R2=0,8498). Ao mesmo tempo, a busca ativa de escorpiões, nas principais áreas focais de infestação ambiental no território (principalmente nos cemitérios municipais), registrou números de captura de espécimes entre 3344 (2016) e 20038 (2019) escorpiões, com uma linha de tendência linear demonstrando também resultados crescentes no período, mas com um ajuste relativo para os dados (R2=0,6363).

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Figura 2 – Correlação entre os números registrados de captura de espécimes no período de 2000 a 2020, com a ocorrência de acidentes escorpiônicos notificados pelo SINAN.

As medidas de controle por busca ativa de espécimes, apesar de sua importância metodológica, não produziram uma esperada eficiência, como atividade de intervenção no controle de infestações ambientais desta espécie, verificando-se ao contrário que o índice de acidentes com escorpiões permaneceu em uma linearidade de tendência sempre crescente.

            Em novembro de 2019, após muitas discussões públicas, entre o autor dessa matéria e alguns gestores públicos e políticos municipais, conseguimos alguma convergência quanto a decisão de se retornar à prática de serviços públicos de desinsetização das redes de esgoto, nos logradouros públicos do município (Figura 3).

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Figura 3 – Mapa de desinsetização das redes de esgoto nos logradouros públicos municipais, 2019/2020.

Os resultados preliminares dessa atividade de controle químico, que após sua reativação de serviços de desinsetização da rede de esgoto municipal, transcorre em seu segundo ano de execução em 2021, apresentam sinais indicadores que não podem ser subestimados em atributos casuísticos ou meramente coincidentes. Mesmo que a minha prudência técnica exija um maior tempo para uma análise estatística mais robusta (3 a 5 anos, em evidência amostral), é notório que os indicadores numéricos, em interpretação gráfica, sobre os impactos desse controle químico em relação à curva da linha de tendência para os casos de acidentes por escorpiões em Americana/SP, devam ser considerados com a devida atenção de mérito técnico e escopo epidemiológico (Figura 4)

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Figura 4 – Indicadores de impacto do controle químico sobre a curva de acidentes escorpiônicos em Americana/SP.

Não seria muito difícil compreender, e até desejável, por esses argumentos técnicos aqui apresentados, que uma única forma de controle pautada em manejo ambiental e captura mecânica de espécimes, possa ser admitida sem a inclusão de ferramentas químicas em sua execução. Nesse ponto, contemplaríamos uma maior eficiência metodológica nas estratégias de políticas públicas sanitárias, mediante um largo conceito estabelecido em procedimentos operacionais padrões (POP) e que convencionamos denominar de manejo integrado de pragas.

REFERÊNCIAS


BOCHNER, R.; SOUZA, C.M.V. Divergences between the Brazilian national information systems for recording deaths from venomous animals. Journal of Venomous Animals and Toxins including Tropical Diseases 25:e143018, 2019. https://doi.org/10.1590/1678-9199-JVATITD-1430-18.

BRASIL. Secretaria de Vigilância em Saúde. Manual de controle de escorpiões, Brasília: Ministério da Saúde, 2009, 72p.

CHIPPAUX, J.P. Emerging options for the management of scorpion stings. Drug Design, Development and Therapy 6:165-173, 2012. https://doi.org/10.2147/DDDT.S24754.

CHIPPAUX, J.P.; GOYFFON, M. Epidemiology of scorpionism: A global appraisal. Acta Tropica 107(2):71–79, 2008. https://doi.org/10.1016/j.actatropica.2008.05.021.

BRITES-NETO, J.; BRASIL, J. Estratégias de controle do escorpionismo no município de Americana, SP. Boletim Epidemiológico Paulista 9(101):4-15, 2012.

BRITES-NETO, J.; GALASSI, G.G. Monitoramento epidemiológico de Tityus serrulatus em áreas urbanas, mediante dispositivo de luz ultravioleta. Vetores & Pragas 30:16-18, 2012.

EICKSTEDT V.R.D. von, TAVEIRA L.A., CARVALHO M.E. Manual de diretrizes para atividades de controle de escorpiões. Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo. 1994; 48 p.

ELOY L., VIVIANI JUNIOR A., CAMARGO J., SPINOLA R., PAULO E., MALAQUE C., GALLAFRIO C., PIORELLI R., BUCARETCHI F., HUI F., CUPO P., FRANÇA F., CALDEIRA C., MEDEIROS C. Scorpionism in the state of São Paulo: Operational restructuring for timely service to victims. Boletim Epidemiológico Paulista 18(209):16-30, 2021.

SILVA A.M., BERNARDE P.S., ABREU L.C. Acidentes com animais peçonhentos no Brasil por sexo e idade. Journal of Human Growth and Development 25(1):54-62, 2015. https://doi.org/10.7322/jhgd.96768.

SOUZA, W. Doenças negligenciadas. Rio de Janeiro: Academia Brasileira de Ciências, 2010. 56 p.

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