Indicadores entomológicos para acompanhamento de ações de controle da malária

9 min. leitura
Indicadores Entomologicos - Pragas e Eventos

A malária é uma doença parasitária (causada por protozoários) e de transmissão vetorial, cujos vetores são os mosquitos do gênero Anopheles. No Brasil, o vetor principal é o Anopheles darlingi, devido às características comportamentais de acentuada antropofilia (preferência por se alimentar em humanos) e endofagia (hábitos de alimentação interior das residências), além de se infectar, permitir o desenvolvimento e transmitir os Plasmodium falciparum, Plasmodium vivax e Plasmodium malarie, agentes etiológicos da doença.

Há, contudo, vetores auxiliares que podem de alguma maneira atuar na manutenção da doença ou serem vetores regionais: Anopheles deaneorum, Anopheles marajoara, Anopheles aquasalis, Anopheles nuneztovari, Anopheles oswaldoi, Anopheles trinannulatus, Anopheles homunculus, Anopheles cruzzi e Anopheles bellator.

Além do tratamento medicamentoso para o controle e eliminação das formas parasitárias nos humanos, a principal forma de controle e prevenção dessa doença é evitar o contato humano x vetor. Dessa forma, as ações de controle da doença estão principalmente concentradas em controlar ou suprimir as populações de anofelinos do ambiente. 

Dessa maneira, a entomologia é a aliada principal para averiguar o comportamento das espécies em cada área, além e aferir a eficácia das ações de controle nela implementadas. Nesse contexto, os indicadores entomológicos são fundamentais para o acompanhamento e gestão de um programa de controle da malária.

Identificação das espécies

A forma mais prática e acessível de identificação das espécies de anofelinos é aquela baseada em caracteres morfológicos (externos e internos), por meio de chaves dicotômicas ou pictóricas. Na atualidade, o aperfeiçoamento de câmeras digitais acopladas em microscópios estereoscópicos, com técnicas de fotografia e tratamento de imagens, permitiram que pesquisadores, especialistas em taxonomia, elaborassem chaves de identificação com imagens de alta resolução dos caracteres dos morfológicos diagnósticos de cada espécie.

Assim, a identificação das espécies torna-se cada vez mais precisa e o conhecimento da distribuição, biologia e ecologia desses mosquitos, tem avançado muito. Igualmente, é possível também avaliar se determinadas ações antrópicas no ambiente (construções entre outros empreendimentos) ou o emprego de ações de manejo de mosquitos puderem favorecer ou desfavorecer uma determinada espécie de vetor.

image 4 - Pragas e Eventos
image 2 - Pragas e Eventos

Figura 1. Esquerda: larva de Anopheles sp.; Direita: fêmea adulta de Anopheles darlingi. Fonte: Oikos Consultoria e Projetos.

Índice de Larva por Humano Hora – ILHH:

image 8 - Pragas e Eventos

Esse índice permite verificar, de maneira dinâmica, a quantidade de larvas (ou pupas) que um coletor obteve em uma hora de serviço. Trata-se de uma referência importante para aferir se um determinado criadouro ou uma área é produtiva para as formas imaturas de anofelinos.

Da mesma maneira, que é possível verificar se antes e depois de uma ação de controle, por exemplo, a aplicação de biolarvicida, a drenagem de criadouros, o choque de cota em barragens ou limpeza de vegetação marginal, tiveram efetividade ou não na redução do ILHH.

É possível também comparar índices obtidos em outros estudos em criadouros semelhantes, bioma semelhante etc., construindo raciocínios sobre as variáveis que podem interferir na dinâmica dos vetores na fase imatura.

image 5 - Pragas e Eventos

Figura 2. Coleta de larvas e pupas de Anopheles spp.

Índice de Mosquitos por Humano Hora – IMHH

image 9 - Pragas e Eventos

O IMHH muitas vezes também chamado de Índice de Picadas por Humano Hora, também tem o mesmo propósito do anterior, onde é possível aferir quantas fêmeas de mosquitos anofelinos tentaram realizar hematofagia sobre um hospedeiro humano num intervalo de horário.

Essa informação é bastante relevante no que tange ao aspecto prático do resultado e da realidade que revela sobre um cenário vivenciado numa localidade em um determinado período.

Ele pode ser obtido sincronicamente com coletas realizadas no intra, no peri e no extradomicílio, podendo-se ter um extrato importante sobre a diversidade dos vetores no local e os ambientes preferenciais que tendem a escolher para a hematofagia.

Além disso, revela muitas outras informações sobre a vulnerabilidade em que as pessoas se encontram em suas habitações, sobre a efetividade das ações de borrifação residual intradomiciliar, de uso de mosquiteiros impregnados e não impregnados, e outras medidas de prevenção tais como o uso de repelentes, de roupas longas com cores claras e evitar se expor nos horários de ocorrência das espécies.

Noutra ótica, o IMHH sendo estratificado por horário, é possível verificar os picos de ocorrência de cada espécie por ambiente, de modo que se torna possível realizar o planejamento de ações de controle espacial de vetores e orientações de prevenção, com base nesses intervalos de horário, atingindo o maior número de fêmeas possível.

Esse índice também pode ser utilizado como comparativo de outros estudos em outras localidades, para que se possa analisar as interferências ambientais que favoreceram ou desfavoreceram esse grupo de mosquitos.

image 7 - Pragas e Eventos

Figura 3. Coleta de mosquitos adultos. Fonte: Oikos Consultoria e Projetos.

Taxa de Paridade das fêmeas de Anopheles darlingi

image 10 - Pragas e Eventos

A Taxa de Paridade consiste em dissecar os abdomes das fêmeas de Anopheles darlingi e verificar nos ovários a distensão das traqueias e a maturação dos folículos ovarianos. As fêmeas podem resumidamente serem divididas entre nulíparas e oníparas.

As nulíparas são aquelas que possuem as ramificações traqueolares enoveladas. Já as oníparas possuem essas ramificações distendidas. A interpretação do resultado pode trazer diversas hipóteses sobre o comportamento das fêmeas:

Taxas elevadas de fêmeas nulíparas revelam que os criadouros no entorno da localidade de coleta não receberam ações de controle e estão produzindo novas fêmeas que ainda não se alimentaram. Portanto, não muito significantes na transmissão de plasmódios naquela data de amostragem. Todavia, poderão se tornar fêmeas contaminadas com o passar dos dias.

Taxas elevadas de fêmeas oníparas permitem inferir que a probabilidade de estarem infectadas é maior, pois já completaram um ciclo gonotrófico. Considerando que tendo realizado um repasto sanguíneo, o qual se tiver sido feito em uma pessoa contaminada com plasmódios, essas fêmeas oníparas estariam aptas a transmitir a pessoas sadias.

Essa taxa é mais preocupante, visto que revela que as fêmeas estão conseguindo se alimentar bem no ambiente e reproduzir-se, e que não foram interceptadas por algum tipo de medida de controle. 

image 3 - Pragas e Eventos

Figura 4. Fêmea de Anopheles darlingi com abdome dissecado e ovários expostos. Fonte: Oikos Consultoria e Projetos.

Taxa de infecção por Plasmodium spp.

Taxa de infecção por Plasmodium= Número de fêmeas positivasNúmero de fêmeas dissecadas ×100

A taxa de infeção por Plasmodium spp. é obtida pela dissecação das glândulas salivares das fêmeas de Anopheles darlingi. Essa taxa permite que seja feito um diagnóstico mais preciso sobre o cenário da transmissão em uma localidade, uma vez que permite aferir quais fêmeas estão aptas a transmitir os plasmódios caso consigam acessar um hospedeiro humano.

Revela ainda que, além de se alimentar e se reproduzir no ambiente, essas fêmeas ou superaram as medidas de controle ou que no ambiente essas ações não foram suficientes para conter a transmissão.

Em geral, as taxas de infecção são muito baixas, menos que 1%, todavia, a eficiência vetorial na transmissão pode desencadear epidemias, onde muitas pessoas da mesma casa ou circunvizinhanças podem contrair plasmódios e desenvolver a doença.

image 6 - Pragas e Eventos

Figura 5. Dissecação de fêmea de Anopheles darlingi com remoção de trato digestivo e glândulas salivares para pesquisa de Plasmodium spp.

Fabio Medeiros da Costa

Fábio Medeiros da Costa, é biólogo, mestre em Entomologia e doutorando em Entomologia. Especialista em manejo e controle de vetores em grandes empreendimentos. Atua como colunista de Saúde Pública para o portal Pragas & Eventos. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/5201381014578870

Compartilhar