Todos os verões a mesma história se repete, aumentam as temperaturas e com elas as campanhas e propagandas para eliminar criadouros e combater o Aedes nas casas e quintais, já faz décadas que o Brasil está em guerra com o vetor e a cada 3 ou 4 anos enfrenta epidemias.
O que ocorria prioritariamente na região Nordeste e Sudeste agora se espalhou pelo Centro e Sul do pais com consequências terríveis e recordes de casos e óbitos.Mas porque isso ocorre se temos técnicos capacitados nas esferas governamentais e repasse de recursos, onde se está errando?
Para tentar responder essa questão e a do título desse artigo temos que primeiro entender um pouco melhor a história do Aedes e dos surtos de Arboviroses no país e o quanto as transformações nas cidades, modo de vida e clima tem influenciado.
O Aedes é um inimigo conhecido desde o sec. XIX, que veio para o Brasil pelo menos 200 anos antes com as navegações e comercio de escravos. Foi duramente combatido e chegou a ser declarado derrotado em meados dos anos 50/60.
Nos anos 80 voltou forte e desencadeou epidemias em nosso litoral, ceifando a vida de centenas de acamando milhares de pessoas por semanas. Nessa época começaram as campanhas para eliminar criadouros dentro das casas pois o Aedes tinha encontrado e colonizado pequenos acúmulos de água limpa, pratos sob vasos de plantas, pneus e até fundos e gargalos de garrafas quebradas que eram fixados nos muros para evitar ladrões.
Foi quando as equipes de saúde dos governos Federal, Estados e Municípios teve de desenvolver técnicas e empregar novos produtos para conseguir enfrentar mais uma vez o vilão que chegou a comprometer a economia de cidades e a produção de empresas, tal era o número de empregados doentes afastados.
Se desenvolveram estratégias de monitoramento com visitas dos agentes de endemias a todas as casas de cidades na busca por focos do Aedes, chegando a diferenciar o tipo de criadouro existente. Com estes dados era possível pelo menos constatar a presença do Aedes e assim analisar sua dispersão pelo território.
Com o passar dos anos e a imunidade adquirida pelas populações que sofriam surtos os números de casos foram baixando e apenas quando um novo vírus ou sorotipo retornava é que havia um novo surto de grandes proporções.
As políticas públicas foram se alterando, com a Constituição e criação do SUS o papel de combate foi passado aos municípios, que deveriam montar equipes de agentes de endemias para executar a vigilância e ações de controle, recebendo repasse de verbas sempre que cumprissem as metas pactuadas de realizar levantamentos de índices de Aedes (os LIA e LIRA).
As equipes das cidades seguiam fazendo os levantamentos casa a casa na busca por criadouros, mapeando e indicando os seus tipos predominantes, enquanto os Estados proviam suporte, distribuíam inseticidas, supriam emergencialmente as demandas por equipes de tratamento e o Ministério da Saúde comprava inseticidas, monitorava o surgimento de resistência e dava as diretrizes que eram efetivadas por estados e municípios.
Após décadas seguindo esse modelo, surgiram populações de Aedes resistentes e como era de se esperar a pressão sobre alguns tipos de criadouros, estimulou que o Aedes procurasse outros criadouros, bem diferentes dos originais, hoje não é incomum encontrar larvas de Aedes em coleções maiores de água com presença de matéria orgânica como bueiros e ocos de árvores.
Também a que se considerar que as cidades e periferias cresceram de forma desordenada e tanto as populações das cidades quanto o transporte de cargas e pessoas aumentaram sobre maneira, criando uma nova realidade.
Ou seja o Aedes não virou Super, mas se adaptou a essas novas condições e assim se espalhou pelo interior e região Sul do país, chegando até Uruguai, Paraguai e Argentina.
Infelizmente nossas diretrizes e políticas de uso de produtos se mantiveram as mesmas. Apesar de universidades e pesquisadores desenvolverem e apresentarem novas tecnologias a disposição em testar e analisar em larga escala foi direcionada apenas a novos produtos (adultícidas e larvicidas) e poucas exceções em tecnologias de ponta como a Wolbachia.
Por opção se insistiu em direcionar esforços em manter e cobrar levantamentos LIRA que pouco ou nenhuma informação gerencial e de direcionamento de ações preventivas geram e não se justificam no atual cenário, também problemas como inseticidas que precisam ser homogeneizados para ser diluídos e aplicados pois decantavam ou que precisavam solventes especiais para limpeza dos equipamentos pós aplicação.
Enquanto isso novas tecnologias já disponíveis e em uso em outros países como dispositivos de dispersão de larvicidas, unidades de tratamento espacial sobre motocicletas, liberação de mosquitos biotecnológicos que trazem genes letais e possibilitam o controle biológico especifico e seguro para polinizadores, emprego maçal armadilhas de captura e monitoramento de Aedes adultos por armadilhas com levantamento semanal e detecção viral no mosquito foram literalmente ignorados nos projetos e iniciativas do Ministério da Saúde, sem qualquer razão técnica ou justificativa.
Simplesmente não eram parte das políticas adotadas e não viriam a ser até serem efetivamente testados, analisados e aprovados, oque criou o paradoxo Tostines do combate ao Aedes:
Não se realizam estudos de tecnologias que não fazem parte das políticas públicas e só podem ser adotadas e incorporadas novas tecnologias após aprovadas em estudos
A pandemia do Covid19 veio para piorar a situação do enfrentamento de várias doenças, prejudicando até na detecção precoce de tipos de câncer. No caso das Arboviroses a impossibilidade das visitas dos Agentes de Endemias e canalização de recursos para o enfrentamento, internações e vacinações contra o Covid foi um golpe fatal no manejo aos Aedes, que puderam assim se dispersar mais ainda pelas cidades e crescer suas populações, bastou o surgimento de pessoas infectadas nesse cenário para que a Chikungunya avançasse pelo litoral Nordeste e Sudeste e a Dengue assolasse as regiões Sul e Central do Brasil, trazendo recordes de casos e óbitos com uma perspectiva ainda pior para os próximos verões em que se esperam entre 1 e 4 milhões de casos de Dengue no país.
A chegada de novos vírus como Maiaro e Oropuche, junto a recirculação de sorotipos de Dengue ausentes a mais de 15 anos em algumas regiões, piora ainda mais o cenário, pois populações com baixa ou nenhuma imunidade estarão vulneráveis e cercadas por Aedes.
Mas ainda existe esperança e pessoas que fazem a diferença, em prefeituras técnicos da Vigilância promovem estudos com novas estratégias e avaliam de forma consistente os resultados por conta própria. Em cidades como Indaiatuba/SP, se testaram o emprego de Drones para aplicar larvicidas biológicos em áreas complexas como ferros-velhos, bem como testou-se com muito sucesso o emprego dos Aedes do Bem (mosquito biotecnológico) conseguindo reduzir a população do vetor acima dos 85%, Belo Horizonte/MG desenvolveu seu sistema de monitoramento com Ovitrampas e emprega drones para localizar criadouros de difícil detecção, Porto Alegre/RS e Santos/SP implantaram sistemas de monitoramento integrado de adultos de Aedes que direcionam as ações das equipes e possibilitam avaliar o resultado de cada ação desenvolvida já na semana subsequente.
Poderíamos citar Vitória/ES, Foz do Iguaçu/PR e Fortaleza/CE como cidades que buscaram alternativas para melhorar sua condição de enfrentar o Aedes e assim suprir a falta de informações e estudos nacionais. Ou seja é possível buscar e encontrar alternativas disponíveis e efetivas até mesmo buscando recursos em outras fontes como emendas e até financiamento privados por empresas locais.
Os municípios precisam com o apoio dos estados melhorar suas redes de comunicação para que possam atuar em conjunto no combate ao Aedes, empregar tecnologias disponíveis hoje, testadas e com resultados positivos de forma coordenada para barrar a chegada e dispersão de novos vírus, as ferramentas e tecnologias estão ai.
Concluindo já não é possível ignorar que as pessoas são contaminadas no trabalho, faculdade, academia ou lazer e que realizar uma inspeção e bloqueio químico semanas após o dia em que ocorreu a contaminação na residência do doente não vai resolver o problema ou menos trazer a proteção necessária aquela população, ou que não encontrar criadouros em uma rua ou bairro (apesar de constatar a presença de Aedes adultos) não significa que esta região está segura ou menos infestada que seu entorno, mesmo que essas iniciativas seja parte das políticas de combate ao Aedes em vigor.
É preciso evoluir nas medidas de monitoramento e controle pelo menos tão rápido quanto o Aedes avança em sua adaptação as novas realidades e isso não vai acontecer sem a autocritica e mudança na forma de pensar daqueles que elaboram as políticas públicas de combate ao Aedes e Arboviroses. Ou será que vamos insistir no discurso do Super Aedes?