Uma análise das notificações de acidentes com escorpiões ocorridos entre 2008 e 2018 nos 645 municípios do Estado de São Paulo mostrou que a taxa de incidência de casos quintuplicou no período analisado, com uma maior concentração nas regiões Oeste, Noroeste e Norte, em contraste com as regiões metropolitana, Sul e litorânea. Os municípios de Presidente Prudente, Barretos, São José do Rio Preto e Araçatuba foram os que mais apresentaram casos, ainda que os índices de mortalidade tenham seguido uma distribuição aleatória. O estudo foi realizado pelo pesquisador Alec Brian Lacerda, mestre em Saúde Pública pela Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP.
Os acidentes de envenenamento por escorpiões (escorpionismo) têm aumentado nas últimas décadas. De acordo com a série histórica levantada pelo Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), o Brasil registrou cerca de 12,5 mil casos no ano 2000, número que saltou para mais de 159 mil em 2021. Caracterizado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como um problema de saúde pública emergente e negligenciado, o escorpionismo pode ocasionar casos graves e até levar à morte, principalmente em crianças e pessoas mais velhas.
Fatores como altas temperaturas, baixa precipitação e vegetação natural pobre estão associados ao maior risco, sendo a primavera a estação que mais concentra casos durante o ano. “É quando a temperatura começa a aumentar e a concentração de chuvas é menor em comparação ao verão, o que propicia a reprodução do animal”, comenta Lacerda ao Jornal da USP. Os quatro municípios definidos como hotspots de escorpionismo apresentam características ambientais similares e também concentram outros eventos epidemiológicos, como dengue, zika, chikungunya e febre amarela.
O estudo, orientado pelo professor da FSP Francisco Chiaravalloti Neto, apontou que pessoas do sexo masculino são as maiores vítimas de acidentes escorpiônicos, com um registro de aumento do número de casos conforme o avanço da idade. “Um dos aspectos que podem ser levantados é que os idosos tendem a ficar mais tempo em casa e os escorpiões estão muito mais urbanizados, o que faz com que eles tenham acesso às residências através do esgoto”, explica Alec. Apesar disso, os óbitos causados pelo envenenamento atingem majoritariamente crianças de zero a nove anos, que não desenvolveram inteiramente seu sistema imunológico.
O pesquisador utilizou o software SatScan para identificar os aglomerados espaço-temporais dos casos e contou com apoio do Ministério da Saúde e do Centro de Vigilância Epidemiológica. O estudo ecológico descritivo visou à reunião de dados sobre as áreas e populações mais vulneráveis a acidentes escorpiônicos para auxiliar na tomada de decisões de órgãos de saúde para a diminuição do contato humano com os artrópodes.
Os escorpiões são considerados animais sinantrópicos, ou seja, que se adaptaram a conviver com o ser humano, ainda que indesejados. Em São Paulo, três espécies se destacam em relação ao número de casos: o Tityus serrulatus (conhecido como escorpião amarelo), o Tityus bahiensis (escorpião marrom) e o Tityus stigmurus (conhecido como escorpião amarelo-do-nordeste). A primeira é responsável pelo maior número de acidentes nos municípios do Estado, em frequência e letalidade, devido a sua capacidade de se reproduzir rapidamente de forma assexuada.
O envenenamento
Os escorpiões possuem ferrões que concentram glândulas de veneno, sendo capazes de injetar neurotoxinas ao se sentirem ameaçados. Segundo Lacerda, além da dor no local da picada, o envenenamento pode provocar vômito, tontura, ansiedade e problemas gastrointestinais nos casos leves, enquanto os casos graves podem se manifestar na forma de problemas cardiorrespiratórios e neurológicos, edemas pulmonares e até necroses.
Em comparação ao das cobras, o veneno dos escorpiões possui uma complexidade inferior de proteínas e é inoculado em uma quantidade menor durante a picada, o que faz com que seja menos tóxico. Além disso, não possui as mesmas propriedades dos venenos das serpentes, que podem provocar hemorragias internas e ações hemolíticas (quando há a destruição de células hemáceas). O principal tratamento recomendado para os casos moderados é a aplicação do soro antiescorpiônico, que impede a evolução da produção de proteínas do veneno no corpo.
A pesquisa Análise espacial e temporal da ocorrência de acidentes escorpiônicos no Estado de São Paulo está disponível neste link.
Mais informações: e-mail [email protected], com Alec Brian Lacerda
Texto: Pedro Ferreira
Arte: Rebeca Fonseca