“A gente pensa que é só um mal-estar e que vai passar, mas na verdade não é. O que estamos vendo é que a cada ano a doença tem sido mais devastadora e continuamos agindo como se não fosse nada.” A frase da empresária Marise de Oliveira Mansur Rabelo, de 61 anos, dá o tom de qual é a sensação geral das pessoas quando o assunto é a dengue.
Por trás dos mais de 423 mil casos prováveis já contabilizados em todo o estado em 2019, a maioria sem consequências tão graves, se esconde o drama de quem perdeu uma pessoa querida por um mal que poderia ser evitado com um coquetel relativamente simples e amplamente conhecido: mais educação, cidadania e ações concretas, do poder público e dos cidadãos, para evitar a proliferação do Aedes aegypti, mosquito que também transmite a zika e a chikungunya. Apenas neste ano, Minas Gerais já confirmou cerca de 90 mortes pela doença.
Pior: tem outros 137 óbitos em investigação, o que pode levar o estado à epidemia mais mortal da história, se todas as suspeitas forem confirmadas. Um cenário que enche de tristeza familiares e amigos dos que se foram, vítimas de um mal que não escolhe idade nem classe social. Resta um enorme vazio, que, na avaliação de quem fica, poderia ser evitado.
“É uma sensação de impotência muito grande, uma revolta por ver que, apesar de ela ter 84 anos, poderia viver 94. Hoje as pessoas passam dos 90 com tranquilidade. A sensação que fica é de que não estava na hora”, diz Marise, ao se referir à mãe, Maria Luiza de Oliveira Mansur, vítima da dengue em Betim, cidade da Grande BH que já tem ao menos 13 mortes confirmadas pela doença e é o segundo município com mais óbitos no estado em 2019, perdendo apenas para Uberlândia, que tem 16.
Maria Luiza morreu em 12 de maio, depois de lutar por 22 dias contra as complicações no coração e nos rins desencadeadas pela dengue, até que os órgãos pararam de funcionar. Na casa onde morava com um filho, uma nora, uma neta e onde também conviviam duas cuidadoras, outros três tiveram dengue. Marise também teve a doença, assim como o filho e cerca de 60% dos 22 funcionários de sua empresa.
MARCAS
A empresária conversou com a equipe de reportagem do Estado de Minas na sede da firma do ramo de alimentos, na qual as recordações da mãe estão em toda parte. Uma delas é o próprio nome da firma – “Tia Iza” – dado em homenagem à matriarca, que deixou cinco filhos, sete netos e dois bisnetos. A alcunha de “tia”, inclusive, veio pelo amor da família. “Ela era a Tia Iza porque era a tia mais querida de todos os sobrinhos. Era louca pelos netos. Os bisnetos são dois e mesmo com Alzheimer (doença degenerativa que afeta o sistema nervoso) ela não se esquecia deles de jeito nenhum”, conta a empresária.
O amor pela família era o que mais saltava aos olhos de todos, segundo uma das netas, Carolina Mansur, de 32 anos. “Era avó de um monte de gente. Ao longo da vida, a casa dela era ponto de encontro e até abrigo de todos os sobrinhos, netos”, conta. Ela reforça a sensação descrita pela tia. “Agora a casa está vazia. Nada vai preencher isso. Mas a questão da dengue que mais me preocupa é que cada vez mais ela está perto da gente, e as coisas continuam iguais, assim como o comportamento das pessoas. Incomoda muito ver que as pessoas não mudam de atitude, não se preocupam com o coletivo, com o lixo que jogam na rua. Preferem se manter no comodismo, nas suas rotinas.
É preciso a gente olhar para o outro e como as nossas atitudes refletem na vida do outro”, conclama.
A MORTE EM QUATRO DIAS
Pensar que a dengue só tira a vida de pessoas idosas ou com a saúde fragilizada é um erro que muitos só percebem quando a doença já fez vítimas entre seu círculo familiar ou de amizades. Foi o que aconteceu com o jornalista e comerciante Vinícius Duarte Nunes, de 47, que ainda não consegue entender como a virose, em poucos dias, levou à morte o amigo dele, da mesma idade, um advogado morador do Bairro Prado, Região Oeste de BH.
“Era uma pessoa esportista, extremamente saudável. É isso que nos assusta muito”, resume. Segundo ele, apesar do estilo de vida que era um exemplo para quem o conhecia, o colega acabou sofrendo as consequências mais graves da doença.
Tudo aconteceu rapidamente, ainda no início deste mês. “Em um sábado, ele começou a sentir dores nos olhos. No domingo, foi para o hospital. Fez a consulta, passou por exames. Na segunda-feira, já estava péssimo. Na terça-feira, morreu. Foi a dengue hemorrágica”, contou. Além da tristeza, ele se sente indignado com a falta de empenho do poder público e da população em combater o transmissor da doença.
“O sentimento é de descaso. Não se vê um carro de fumacê nas ruas, uma campanha efetiva. Nós recebemos as visitas dos agentes de saúde, eles vão lá, verificam as plantinhas, mas e o vizinho e os lotes vagos? As pessoas que não sentiram na pele não se preocupam com isso”, afirmou. “Acham que as coisas ruins acontecem só com os vizinhos. Esse é o recado. Todo mundo tem que ficar de olho. Não é só com idosos e crianças que a doença é um perigo”, adverte.
AGRESSIVIDADE LETAL
Incredulidade, tristeza e inconformismo são sentimentos que se misturam quando os aposentados Adílson Maciel Bertolino, de 64 anos, e Sônia Mara dos Santos Bertolino, de 61, falam da morte da caçula dos quatro filhos do casal, Eliana Maciel dos Santos Bertolino, de 32, Vítima da dengue em sua forma hemorrágica, segundo médicos que a atenderam, ela faleceu em 16 de junho no Hospital Odilon Behrens, em Belo Horizonte, depois de apenas uma semana desde o início dos sintomas – uma rapidez que chega a assustar os próprios profissionais de saúde. Moradora de Sabará, bem no limite com BH, no Bairro Nova Vista, Eliana era portadora de lúpus, doença marcada pela produção excessiva de anticorpos. Essas células, quando se multiplicam de forma descontrolada, começam a atacar o próprio organismo, causando lesões que podem até levar à morte.
Mas essa situação não teria relação com o quadro da dengue, conforme disseram aos pais médicos que atenderam a jovem. O primeiro choque para Adílson foi quando viu a justificativa para internação nos papéis para a transferência de Eliana, da UPA de Sabará para alguma unidade que tivesse vaga. “Quando eu li risco de morte eu me assustei, mas, ainda assim, pensei que poderia ter jeito de tratar”, afirma.
De Sabará ela foi transferida para o Hospital Odilon Behrens, onde Adílson ouviu da equipe médica que o quadro grave tinha se transformado em gravíssimo. Nessa hora, ele foi informado de que a filha já tinha uma hemorragia complicada, momento de extrema emoção compartilhado com um médico que trabalhou no caso. “Ele chorou comigo, dizendo que, apesar da situação, não ia desistir dela”, conta o pai. “Quando eu a vi ali, no hospital, já tive o pensamento de que humanamente não tinha mais jeito. Não parecia mais a minha filha”, diz Adílson.
ANTECEDENTES
Sônia se lembra de que tanto ela quanto o marido já haviam sofrido com a dengue em outros anos, mas não imaginavam que a doença poderia chegar a esse ponto. “Quando a morte entra em casa é que a gente vê que é uma coisa muito mais séria”, diz ela. O marido destaca a característica mais marcante da filha, que a tornou uma pessoa extremamente querida. “Ela era muito intensa com as amizades e lutava muito pelas pessoas. Fundou um grupo de portadores de lúpus e escrevia cartas dando incentivo para eles caminharem diante dessa situação”, conta. As cartas, inclusive, viraram um livro que os pais guardam com carinho. O casal avalia que falta mais atitude do poder público para forçar na cabeça das pessoas a necessidade de fazerem sua parte.
Os pais lembram o caso do cigarro, por exemplo, que traz em todas as embalagens imagens de complicações graves provocadas pelo tabagismo. “Por que não se faz a mesma coisa com a dengue? A gente fica se questionando sobre como se chega a essa situação. As pessoas que não passam por isso não têm a dimensão do que é. Minha filha sangrou até a morte. Não se dá valor à vida”, completa Adílson.
Sabará não está entre os municípios com mortes já confirmadas pela doença, o que leva a crer que o caso de Eliana está entre os quase 140 óbitos ainda em investigação. Porém, a Secretaria de Estado da Saúde não divulga detalhes sobre os casos em apuração ou a que município pertencem.
BEBÊ FOI TRANSFERIDO, LIBERADO E MORREU
A perplexidade e a dor que tomam conta das famílias que perderam parentes para a atual epidemia de dengue consegue ser ainda maior quando a vítima é apenas um bebê. Moradora de São João da Ponte, no Norte de Minas, a família do pequeno Hamilton Manoel Rocha Lopes, de 8 meses, não tinha ideia da gravidade do quadro quando o menino apresentou febre repentina, de causa desconhecida. No dia seguinte, a criança passou por avaliação médica na própria cidade, que enfrentou um surto da doença neste primeiro semestre. Depois, com suspeita da forma hemorrágica, foi encaminhada para o Hospital Universitário Clemente de Faria, em Montes Claros, cidade-polo da região, onde morreu em 24 de abril, três dias depois do início dos sintomas. O pai diz que a causa da morte foi dengue hemorrágica. Segundo o contador Hamilton Lopes da Silva, o bebê foi levado ao Hospital Universitário pela mãe, Janaína Kênia Rocha, que é enfermeira.
Na noite de 22 abril, relata, a criança foi atendida, mas acabou voltando para casa, pois, na triagem, a equipe médica “não constatou nenhuma gravidade”. No dia seguinte, o menino foi levado novamente à unidade, onde foi submetido a vários exames. Na noite do mesmo dia, o quadro se agravou e garoto sofreu paradas cardíacas. A equipe médica adotou vários procedimentos, mas não conseguiu impedir a morte, que ocorreu na madrugada do dia 24. “Meu filho era uma criança muito saudável, que recebia todos os cuidados para a vida. Sempre usamos repelente”, diz Hamilton Lopes da Silva.
Embora considere que o pequeno foi vítima de uma “fatalidade”, ele entende que os profissionais da área de saúde precisam ter mais atenção com os pacientes que apresentam quadro suspeito da virose. “As pessoas dos serviços de saúde precisam ser mais humanas. Precisam de uma mobilização imediata para salvar vidas toda vez que atenderem a um caso suspeito do tipo mais grave dessa doença”, afirma.
Ele faz ainda um apelo pela conscientização dos cidadãos comuns: “Se as pessoas cuidassem, limpassem seus quintais, sem deixar criar focos do mosquito, poderíamos erradicar a transmissão da doença”, cobrou. Sobre o caso do bebê, o Hospital Universitário Clemente de Faria informou em nota que a análise de material em laboratório deu “resultado inconclusivo” e que não foram realizados exames mais adequados pela Fundação Ezequiel Dias (Funed) “devido à insuficiência de amostra”.
No entanto, completou: “Embora não confirmado laboratorialmente, acredita-se que o mais provável é que a criança tenha, de fato, apresentado infecção pelo vírus da dengue, baseado no momento epidemiológico”.
VIRULÊNCIA IMPRESSIONA
O drama vivido pelas famílias e amigos de pacientes que não resistiram aos sintomas da dengue foi sentido de perto também por profissionais de saúde. Médicos destacam que a agressividade do vírus do tipo 2 (Denv 2), o que mais infectou pessoas neste ano na epidemia enfrentada por Minas Gerais, impressiona, tendo provocado sequelas até mesmo entre jovens, principalmente ao atingir o sistema nervoso central de pacientes. Por isso, alertam que a população deve reforçar as ações de combate aos focos do Aedes aegypti mesmo nesta época, quando o mosquito está mais vulnerável.
Além disso, ressaltam que há grandes chances de a epidemia continuar nos próximos anos, já que muitas pessoas estão suscetíveis ao tipo de vírus que circula atualmente. Existem quatro tipo de vírus da dengue. O que mais infectou moradores neste ano é o Denv2, considerado o mais perigoso. “É o mais agressivo de todos eles. Já estávamos prevendo que esse número grande de morte acontecesse, por causa disso.
Exatamente por isso, há alguns anos, falei que não tínhamos visto ainda o pior cenário”, afirma o diretor da Sociedade Mineira de Infectologia, Carlos Starling. As consequências do vírus foram vistas de perto pelo infectologista. “Convivi com inúmeros casos graves. Vários casos dramáticos de pessoas que estavam saudáveis e tiveram casos gravíssimos, com acometimento do sistema nervoso central que deixou sequelas, inclusive entre jovens. Os idosos também sofreram muito.
Tivemos casos dramáticos nesses pacientes, principalmente os que têm doenças associadas. A dengue complicou muito essas doenças. Neste ano, vimos muito mais do que nos anteriores o comprometimento dos sistemas nervoso central e cardíaco”, disse Starling. Dados da Secretaria de Estado de Saúde (SES/MG) mostram que os idosos foram os que mais sofreram com a doença. Dos 86 pacientes que tiveram morte confirmada em decorrência da dengue, 59% eram maiores de 50 anos. Além disso, 67,5% apresentavam algum tipo de comorbidade, ou seja, alguma outra doença associada. As mulheres representam a maioria dos óbitos, com 60,5% do total de casos.
CUIDADOS CONSTANTES
O frio e a estiagem ajudam a diminuir a proliferação do mosquito Aedes aegypti e, consequentemente, freiam a expansão dos casos de contágio. Mesmo assim, a atenção deve ser mantida, alertam autoridades sanitárias. “Primeiro, temos que alertar para o fato de que não estamos tendo um inverno tão rigoroso a ponto de imobilizar o mosquito. Este é o momento de combater, de eliminar focos. Sabemos que de um ano para outro os ovos persistem. Então, é hora de limpar a casa, os lotes e eliminar qualquer tipo de umidade”, adverte Carlos Starling.
“Se tem um momento em que estamos mais vulneráveis é no verão. E a hora em que o mosquito está mais vulnerável é agora. Então, precisamos aproveitar o momento.” A Secretaria de Estado da Saúde reforça o alerta. “Pelo fato de o vetor das doenças circular durante todo o ano, mesmo que com menor intensidade nos meses mais frios e secos (maio a setembro), os cuidados em relação ao controle dos focos do mosquito devem ser realizados sempre”.
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