Isis Breves
Jornalista – comunicação institucional, comunicação em saúde, comunicação interna. Amo o que faço?
Na primeira matéria da série sobre o Plano Nacional de Combate ao Dengue (PNCD) foi dedicado a um resumo histórico da presença do vetor no país, com a contribuição do Médico Veterinário Ricardo Soares Matias, Perito Legal, Consultor em Gerenciamento de Sinantrópicos, credenciado pela Aliança Internacional de HACCP (APPCC), Instrutor SENAR-RS e SESCOOP RS, SC e PR e especialista em Atenção Primária de Saúde/Saúde Comunitária.
Nesta segunda parte, Matias falará das ações de controle do mosquito no país, também fazendo um comparativo ao que já foi usado no passado com o que estamos preconizando atualmente.
“Desde a reintrodução do mosquito no país, em 1976, os métodos tradicionalmente usados para o controle de doenças transmitidas por vetores era o uso de inseticidas que não funcionaram. Eram programas essencialmente centrados no combate químico, com baixíssima ou mesmo nenhuma participação da comunidade. Sem integração intersetorial e com pequena utilização do instrumental epidemiológico, mostraram-se incapazes de conter o vetor com altíssima capacidade de adaptação ao novo ambiente criado pela urbanização acelerada e pelos novos hábitos”, conta Matias.
Mesmo o Plano Nacional de Controle do Dengue considerando que o uso de inseticida é ineficaz ,comprovado desde 1976, continuaram e continuam usando. “E, logicamente o número de criadouros, o número de doentes continuam aumentando, mas não desistem de usar inseticidas das mais diferentes formulações, com os mais diferente equipamentos e diferentes princípios ativos, afirma Matias..
Para o especialista, não quer dizer que se interrompa o uso de inseticidas. É claro que não, mas alguns pontos devem ser reavaliados. Matias explica que em 2001, na segunda edição da Organização Mundial de Saúde (OMS) do Guia sobre Diagnóstico, Tratamento e Controle da Dengue Hemorrágica, reconhecido como referência de autoridade, apresentou na página 55, a tabela 5.3, a relação de inseticidas a serem aplicados na pulverização a frio. Os métodos correntes de aplicação de inseticidas incluem a aplicação de larvicida para tratamento focal, tratamento periofocal e pulverização ambiental no controle de mosquitos adultos.
Em 2001/2002 o MS apresenta o Programa Nacional de Controle da Dengue (PNCD). O PNCD procura incorporar as lições das experiências nacionais e internacionais de controle da dengue, enfatizando a necessidade de mudança nos modelos anteriores, fundamentalmente em alguns aspectos essenciais, entre eles:
1) a elaboração de programas permanentes, uma vez que não existe qualquer evidência técnica de que erradicação do mosquito seja possível, a curto prazo;
2) o desenvolvimento de campanhas de informação e de mobilização das pessoas, de maneira a se criar uma maior responsabilização de cada família na manutenção de seu ambiente doméstico livre de potenciais criadouros do vetor;
3) a melhoria da qualidade do trabalho de campo de combate ao vetor;
4) a utilização de instrumentos legais que facilitem o trabalho do poder público na eliminação de criadouros em imóveis comerciais, casas abandonadas, etc.;
5) o desenvolvimento de instrumentos mais eficazes de acompanhamento e supervisão das ações desenvolvidas pelo Ministério da Saúde, estados e municípios.
Verifica-se que quase 70% dos casos notificados da dengue no país se concentram em municípios com mais de 50.000 habitantes que, em sua grande maioria, fazem parte de regiões metropolitanas ou polos de desenvolvimento econômico.
Os grandes centros urbanos, na maioria das vezes, são responsáveis pela dispersão do vetor e da doença para os municípios menores. Nesse cenário, o PNCD propõe-se a implantar a estratégia de controle em todos os municípios brasileiros, com ênfase em alguns considerados prioritários, assim definidos:
1- Capital de estado e sua região metropolitana;
2- Município com população igual ou superior a 50.000 habitantes; e
3- Municípios receptivos à introdução de novos sorotipos de dengue (fronteiras, portuários, núcleos de turismo, etc.).
“É um absurdo pensar desta maneira, pois cria uma visão distorcida de que os municípios menos populosos são receptores do inseto. Mas onde está a informação científica deste fato? Quem pode garantir que não é o contrário? E por isto se desloca recursos materiais, humanos e monetários para estes municípios maiores e deixam-se os menores esperando para ver o que acontece? Isto é visão sanitária ou econômica?”, questiona Matias sobre a estratégia do PNCD sobre as prioridades do programa.
METAS DO PNCD
• Reduzir a menos de 1% a infestação predial em todos os municípios;
• Reduzir em 50% o número de casos de 2003 em relação a 2002 e, nos anos seguintes, 25% a cada ano;
• Reduzir a letalidade por febre hemorrágica de dengue a menos de 1%.
INFELIZMENTE NADA DISTO FOI CONSEGUIDO.
1.Uma das metas do PNCD seria a de se reduzir a menos de 1% a infestação predial. Segundo o PNCD, 866 municípios em 2001 tinham o índice predial menor que 1%.
Segundo o LIRAa (Levantamento do índice rápido de Aedes aegypti) em 2007 eram 2.914 e 2008 3.143. Lembrar que não são todos municípios que participam do LIRAa.
Em janeiro de 2017 o MS publicou no Diário Oficial que todos os municípios do país seriam obrigados a realizar o levantamento entomológico de infestação por Aedes aegypti.
Em 2016, das 3.704 cidades aptas a participar do LIRAa, 2.284 integraram a edição – o equivalente a 62,6% do total.
Os dados mostram que, até novembro de 2018 pelo menos 885 municípios brasileiros estavam em situação de alerta ou de risco de surto para dengue, zika e chikungunya.
O número representa 37,4% das cidades pesquisadas. Do total de 72 cidades de SC que deveriam participar, por serem consideradas infestadas pelo mosquito ou em risco de infestação, apenas 54 fizeram o levantamento.
O país tem 27 capitais, destas, 09 não enviaram informações ou não realizaram levantamento em 2017, ou seja, 33%. Se as capitais não enviaram, será que os municípios enviaram?
Na região sul com 1.191 municípios, apenas 366 participaram do levantamento. Destes, 50 em estado de alerta e 22 em situação de risco. Foi a única região que teve redução no número de municípios participantes em relação a 2016”, afirma Matias.
2. Outra meta do PNCD seria a de se reduzir em 50% o número de casos de 2003 em relação a 2002 e, nos anos seguintes, 25% a cada ano.
Vemos no quadro abaixo baseado no SINAM (Sistema de Informação de agravos de notificação) do MS que mostra do que ESTA META TAMBÉM NÃO FOI OBTIDA uma vez que o número de casos só tem aumentado.
A meta era de se reduzir em 50% o número de casos de 2003 em relação a 2002 e nos anos seguintes 25% a cada ano. Vemos que houve redução a mais de 50% dos casos de 2003 em relação a 2002 e redução maior ainda em 2004 em relação a 2002.
Entretanto a partir de 2005 começou a aumentar cada vez mais não sustentando a segunda parte da meta que seria a de se reduzir em 25% a cada ano.
Mesmo assim nada foi alterado na metodologia de controle para que se obtivesse a meta proposta. Se houve redução em 2003 e 2004 o que foi que determinou esta queda? E porque nos anos seguintes o número de casos continuou aumentando?
Estas questões deveriam ter sido analisadas e alterar o programa a fim de se atingir as metas propostas. No quadro abaixo vemos a evolução do número de casos confirmados de 2001 a 2017, com a taxa de mortalidade e letalidade (percentual de pessoas que foram a óbito em relação ao número de doentes), proposta do PNCD.
3. Reduzir a letalidade por febre de dengue hemorrágica a menos de 1% era outra meta do PNCD e que TAMBÉM NÃO FOI ALCANÇADA.
Como observamos na tabela acima com dados do SINAM (Sistema de Informação de agravos de notificação) do MS esta proposta nunca foi conseguida desde 2001 e nenhuma estratégia foi feita para se alcançar este percentual uma vez que sempre aumentou. Até 2013, a classificação dos casos no Brasil se dividia em febre hemorrágica da dengue (FHD), síndrome do choque da dengue (SCD), dengue com complicações (DCC) e dengue clássica.
Com isto ao acessar o SINAM, o número de casos de dengue hemorrágico caiu muito, passando, por exemplo, de 1.224 casos em 2013 para 33 em 2014.
Entretanto a taxa de letalidade continua elevada. Na realidade muito mais elevada, passando de 13,23% em 2013 para 30,3% em 2014. Segundo o Ministério da Saúde a adoção da nova classificação não traz prejuízos para a análise da situação epidemiológica, mas torna incorreta a comparação direta de casos graves em 2014 com os anos anteriores . Isto pode causar certas complicações no diagnóstico uma vez que a resposta antigênica que deveria proteger o indivíduo acaba complicando sua saúde.
Na próxima matéria da série, o especialista Matias, trará aspectos do PNCD, e um grave problema do MS envolvendo a compra de inseticidas para o combate químico do mosquito no país. A temática será Graves problemas na estratégia de controle no vetor , finalizando a série “Controle do mosquito Aedes aegypti no Brasil ainda é incipiente” do Portal Pragas & eventos.