Isis Breves
Jornalista – comunicação institucional, comunicação em saúde, comunicação interna. Amo o que faço?
Esta é a última matéria da série série “Controle do mosquito Aedes aegypti no Brasil ainda é incipiente” do Portal Pragas & eventos, com a contribuição do Médico Veterinário Ricardo Soares Matias, Perito Legal, Consultor em Gerenciamento de Sinantrópicos, credenciado pela Aliança Internacional de HACCP (APPCC), Instrutor SENAR-RS e SESCOOP RS, SC e PR e especialista em Atenção Primária de Saúde/Saúde Comunitária.
Matias aponta aspectos do PNCD, e um grave problema do MS envolvendo a compra de inseticidas para o combate químico do mosquito no país. “Durante 40 anos os agentes químicos têm sido amplamente usados para controlar os mosquitos e outros insetos importantes para a saúde pública. Como resultado o Aedes aegypti e outros vetores da dengue, em vários países desenvolveram resistência aos inseticidas normalmente usados, incluindo temephos, malathion, fenthion, permetrina, propoxur e fenitrothion, conforme dados da Organização Mundial de Saúde (OMS)”.
Esse problema da resistência aos inseticidas foi recentemente apontado por uma pesquisa da Fiocruz, a qual o Portal Pragas e Eventos entrevistou a pesquisadora sobre o tema e pode ser acessado na íntegra em: https://pragaseeventos.com.br/pesquisa-da-fiocruz-avalia-a-resistencia-do-aedes-aegypti-a-inseticidas/
Matias continua sua análise trazendo à tona um grave problema sobre o uso de inseticidas que cientificamente são resistentes. “Apesar de termos pesquisas que mostram quais os inseticidas resistentes pelo Aedes aegypti, continuamos usando alguns desses ativos no país.
“Há no Ministério da Saúde, em estoque, quantos litros de produto no total? Vencidos e a vencer? Um grave desperdício de investimento da verba pública destinada ao PNCD”, afirma.
“Porque foi comprado se é sabido ser o Aedes resistente a este ativo? Porque deixaram que chegasse a este estado de vir a vencer? Porque trocar apenas 100 mil litros? O que vão fazer com o inseticida se vierem a vencer? Qual será o custo para isto? Vão comprar de novo?”, questiona o especialista.
Em maio de 2019 na cidade de Baurú, SP, onde há o maior número de casos de dengue confirmados no estado de São Paulo , 3.561 casos com 12 óbitos, acabou com a aplicação da termonebulização pela falta de inseticida.
O Ministério da Saúde informou que houve problema na formulação e vazamento do inseticida que o fornecedor se comprometeu a resolver o problema até maio deste ano o que não aconteceu.
“Mas não é caso isolado. Em abril de 2008, segundo o Globo Online, em plena epidemia de dengue, 1,5 milhão de doses de um larvicida cubano estvam prestes a vencer no depósito da Secretaria Estadual de Saúde e Defesa Civil, como revelou quinta-feira a colunista Berenice Seara. Os lotes de Bactivec, comprados por cerca de R$ 8 milhões. Indagado sobre a questão, o secretário de Saúde e Defesa Civil, comemorou a expiração do prazo de validade do larvicida. Segundo ele, o produto seria “altamente tóxico””, explica Matias.
Para Matias, a explicação não é técnica. “uma vez que estamos falando de um produto biológico. Mesmo sendo aplicado pela população, como foi, e mesmo que se errasse a dose jamais ele seria tóxico.
No máximo uma superdosagem aumentaria o custo e uma subdosagem falta de eficácia, mas jamais tóxico. Tanto é que a OMS em seu manual Pesticides and their application, for the controlo f vectors and pests of public health importance, 2006, lista na pg. 28 a relação de inseticidas que podem ser usados como larvicida e entre eles está o Bacillus Thuringiensis variedade israelensis (Bti). Além disso, é uma formulação concentrada contendo 3000 UAA*/mg de produto formulado. *UAA: Unidades Aedes aegypti, determinada por bioensaio com larvas de Aedes aegypti. O que mostra ser um produto com garantia de eficácia contra larvas de Aedes aegypti”.
Baseado em evidências, o controle larval é muito mais eficaz que o adulto uma vez que as larvas são facilmente encontradas em seus criadouros e os adultos estão voando e com isto se usa os chamados fumacês (fog e UBV) que acabam não surtindo efeito desejado, uma vez que as fêmeas se encontram intradomiciliares.
O Bti é largamente usado no controle de larvas de borrachudos a ponto de no estado do Rio Grande do Sul ser apenas este permitido, por força de lei, a ser usado no combate ao borrachudo (simulídeos) com inúmeros trabalhos mostrando sua eficácia e ausência de danos ao ambiente e às pessoas.
O Secretário adjunto de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde, Fabiano Pimenta deu, porém, um esclarecimento diferente. Segundo ele, o problema de segurança se refere à forma como o produto foi usado em 2006: na época, os frascos do larvicida eram entregues para os moradores, para que eles mesmos o manipulassem. De fato, segundo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária, o biolarvicida cubano foi comprado para uso por técnicos, mas não pela população. Provavelmente a população não foi adequadamente orientada quanto ao seu uso, qual seria a dose, qual seria a periodicidade de aplicação, etc.
A partir de 2004, o estado investiu R$ 9 milhões na compra do biolarvicida, que começou a ser distribuído para 42 municípios. Na estratégia, agentes de saúde entregavam frascos do produto aos moradores, que recebiam orientação sobre como usá-lo.
“Os resultados obtidos no Brasil e o próprio panorama internacional, onde inexistem evidências da viabilidade de uma política de erradicação do vetor, a curto prazo, levaram o Ministério da Saúde a fazer uma nova avaliação dos avanços e das limitações, com o objetivo de estabelecer um novo programa de controle da dengue que incorporasse elementos como a mobilização social e a participação comunitária, indispensáveis para responder de forma adequada a um vetor altamente domiciliado.
Estes são pontos importantes a serem aplicados uma vez que apenas com ajuda da comunidade é que iremos resolver esta questão que é diminuir a densidade populacional do Aedes aegypti, caso contrário vamos continuar vendo o número de doentes e óbitos aumentar como vemos ultimamente”, explica o especialista.
Matias continua e explica que a população tem que entender que somos nós os responsáveis pelo aumento populacional do mosquito e consequentemente das doenças transmitidas por ele e somos nós que devemos tomar as rédeas da situação e começarmos a nos conscientizar da necessidade de mudança de comportamento quanto à disseminação de criadouros. “Se a população não toma esta atitude de forma consciente então deveríamos ter meios de aplicar instrumentos legais punitivos, como multas. Estas poderão ser legisladas pelo município através de cobrança, no IPTU, por exemplo, ou em outro tributo, imposto municipal. Mas precisa ser feito e cobrado”, fala.
Infelizmente, há muito a ser feito para que os determinantes da saúde sejam, de fato, prioridades nas políticas públicas de saúde. “Por exemplo, posso citar o Decreto nº 7.217/2010 determina que, a partir de 2018, os municípios só receberão os recursos da União, destinados ao investimento em saneamento básico, caso tenham elaborado o PMSB (Programa Municipal de Saneamento Básico).
Este Plano é obrigatório a todos os municípios, para todas as suas áreas (localidades urbanas, rurais, adensadas e dispersas). No entanto apenas 12 municípios dos 5.570 municípios da União estão cumprindo o plano integralmente”, fala Matias.
“E qual é o resultado disto?
- Morrem, no Brasil, 28.000 pessoas por ano por ingerir água contaminada.
- 25% dos leitos hospitalares são ocupados por problemas gastrintestinais ocasionados por falta de saneamento.
- 88% dos casos fatais de diarreias são decorrentes de saneamento inadequado — destes, 84% atingem crianças.
- Em 2013, 2.135 morreram no hospital por causa das infecções gastrintestinais.
- O custo de uma internação por infecção gastrointestinal no SUS foi de R$ 355,71 por paciente na média nacional.
- De 2015 a 2035, se houver uma melhoria no saneamento, a economia com saúde (pelos afastamentos do trabalho e pelas despesas com internação no SUS), deve alcançar R$ 7,239 bilhões.
- Em 2013, 217 mil trabalhadores precisaram se afastar por problemas gastrintestinais ligados à falta de saneamento, por ano. As despesas com horas pagas e não trabalhadas pelos trabalhadores doentes chega a R$ 238 milhões por ano”, explica Matias.
Por fim, o especialista afirma que “a população tem que ser mais participativa pois é ela mesmo quem cria os focos de proliferação de insetos. Enquanto a população não entender sua corresponsabilidade neste programa, não conseguiremos reduzir a infestação, mesmo que o programa seja didaticamente perfeito, com propostas bem definidas, mas sem a participação da comunidade nada será conseguido . A estratégia precisa ser mudada e com urgência” .