Os mosquitos são reconhecidos como os animais mais mortais do planeta. E isso não é por acaso. Esses pequenos insetos são responsáveis pela transmissão de patógenos transmissores de doenças que causam altas taxas de morbidade e mortalidade aos humanos em todo o planeta, tais como: malária, dengue, febre amarela, zika, chicungunya, filariose, mayaro, oropuche, west nile, encefalites entre outras.
Devido ao esse potencial destrutivo nas vidas das pessoas, milhares de cientistas se debruçam em estudos com pesquisas para, no mínimo, tentar controlar as populações desses vetores, reduzindo assim a incidência dessas doenças.
A principal forma de controlar os mosquitos é evitando ao máximo o contato do humano com eles, pois assim as fêmeas não poderão se alimentar de sangue (hematofagia) e dar continuidade a propação das suas gerações. Para tanto, um arsenal de medidas são desenvolvidas para evitar esse contato, dentre elas, a aplicação de inseticidas, uso de repelentes, proteção de residências com telas, uso de armadilhas, e a drenagem, a eliminação e o tratamento de criadouros.
O biólogo Fábio Medeiros da Costa tem 15 anos de trabalho dedicados aos mosquitos. Ele estuda a biologia e a ecologia dos vetores, além de desenvolver pesquisas buscando as mais diferentes alternativas de controle desses insetos. Como ele mesmo diz: “Trabalhamos para proteger as pessoas das picadas de mosquitos, pois elas podem trazer grandes complicações depois.”
A equipe do Pragas e Eventos entrevistou o biólogo:
P&E: Fábio, você foi um dos pioneiros a utilizar em larga escala os mosquiteiros impregnados de longa duração (MILDs) no Brasil para o controle da malária. Como se deu o processo?
Fábio Costa: em 2009 fui convidado a implantar um amplo programa no município de Porto Velho como forma de compensação da Usina Hidrelétrica Jirau. O desafio seria grande, pois os casos de malária na época ultrapassavam 23 mil por ano no município.
Levar 22 mil trabalhadores para aquela selva rodeada de vilas de madeireiros, garimpeiros, assentados e ribeirinhos, seria um desastre se nada fosse feito.
Implantamos um plano ousado com 10 mil mosquiteiros e 81 profissionais e atacamos de frente as áreas com maior dificuldade de acesso e que concentravam os maiores números de casos da doença.
Nós instalamos gratuitamente os MILDs e orientamos as pessoas sobre como usá-los e ainda passávamos semanalmente para verificar se estavam usando regulamente. Acompanhamos as lavagens e fizemos trocas quando se rasgaram ou eram perdidos.
Não fomos econômicos! A gente sabia o que queria e não mediu esforços. Em 2015 nós chegamos a cifra de 2,5 mil casos no ano. Foi fantástico!
P&E: Qual foi o motivo da escolha por essa ferramenta?
Fábio Costa: Na África já existiam muitos projetos com MILDs e que tinham dado bons resultados. Contudo, esbarravam no problema dos acesso e a falta de acompanhamento junto a comunidade e o controle das lavagens. Convoquei uma equipe de profissionais bons de campo, estudamos toda a cadeia, a ferramenta do MILD e tudo que nós poderíamos agregar para que a ação não esbarrasse nos mesmos problemas daquele continente.
Montamos uma estratégia de trabalhar com a educação da população e junto a eles, resolvermos que a malária não podia mais fazer parte da realidade da comunidade. Apresentamos a nossa proposta e como seria feita a ação, com visitas domiciliares e acompanhamento.
As comunidades abraçaram o projeto. Não tivemos recusas.
P&E: Pelo que notamos o impacto na diminuição da doença foi drástico. Houve mais algum resultado que julgaram importante?
Fábio Costa: Sim. Existem comunidades que a malária zerou. E tiveram alguns casos interessantes, como o de um rapaz com 24 anos e que pegou a doença 40 vezes. Ele nos relatou isso emocionado e agradecido. Outra questão importante, é que essas pessoas estavam tão abandonadas em termos de saúde que aceitavam a doença.
Foi difícil quebrar a ideia junto a eles de que o normal é ter saúde e não ficar doente. Houve muitos relatos de pessoas que achavam que a doença fazia parte do cotidiano delas e que era impossível eliminá-la.
P&E: Em quais outras frentes vocês estão trabalhando agora?
Fábio Costa: Estamos com um projeto de P&D com os mosquitos Mansonia que eu idealizei e montei equipe de pesquisadores para estudar esse grupo sob diferentes aspectos. É o que posso falar no presente sobre esse projeto. Mas breve teremos resultados importantes.
Pretendemos implementar também programas com outros vetores como flebotomíneos, borrachudos e barbeiros. Temos também outros projetos com biolarvicidas, novas moléculas inseticidas e com roupas impregnadas.
P&E: Chamou a atenção essa estratégia das roupas impregnadas. Explique por favor como funciona.
Fábio Costa: Essa tecnologia já é bem conhecida nos Estados Unidos, cujas forças armadas foram as desenvolvedoras. Trata-se da impregnação de roupas ou fardamentos com molécula inseticida e com efeito de repelência. Não agride a pele e é bastante eficaz na proteção das pessoas. Pensamos em trazer essa tecnologia para o país e testá-la com os mosquitos daqui. Tem funcionado muito bem!
Essa medida proporciona proteção individual, especialmente para as pessoas que passam horas expostas no ambiente dos mosquitos como florestas, fazendas e até em certos postos de trabalho.
P&E: Como você escolhe as ferramentas para uso no controle de vetores?
Fábio Costa: Eu escuto muito as pessoas e presto atenção quando estão em ação em suas atividades. Penso nelas, no que me falam e me debruço sobre o que podemos fazer para ajudá-las.
Logicamente que nunca esqueço daquelas ferramentas antigas e que também funcionam muito bem, desde que sejam aplicadas corretamente.
P&E: No seu currículo Lattes vimos que as publicações de artigos, embora abordem mosquitos, são bem diversas também. O que te leva a trilhar vários caminhos?
Fábio Costa: Duas coisas: desafios e poder ajudar as pessoas. Orientei alguns alunos que não sabiam direito o que fazer e outros que sabiam o que queriam, mas não sabiam como. Então eu pensei em ajudá-los a fazerem coisas que eles gostavam e não somente o que eu gostava.
A gente monta um plano juntos e assim desenvolvemos. Sai muita coisa boa no final. E eu os estimulo a publicar.
P&E: Como se dá a relação com as equipes em campo?
Fábio Costa: A gente trabalha num clima de muita descontração. Afinal de contas, coletar e controlar mosquitos não é uma tarefa muito fácil.
Trabalhamos em horários inconvenientes como a noite inteira por exemplo. O humor nesses momentos de falta de sono pode não ficar bom. Por isso fornecemos bons veículos para traslados, hotéis confortáveis e boa alimentação.
A gente também investe muito em capacitação da equipe, de forma prática, bem operacional e ao final dos projetos a gente compartilha os dados e discute com todo mundo. A equipe fica sempre motivada e entende a importância do papel deles em campo e que os desdobramentos dos dados pode gerar qualidade de vida para as pessoas. Outra coisa muito importante é pagar os salários em dia! Isso sempre deixa todos felizes.
P&E: Esse ponto da capacitação e motivação da equipe em campo é muito importante. Você pode comentar mais?
Fábio Costa: Desde que iniciei os estudos em Biologia que sempre noto a carência das pessoas sobre os temas dessa área. Sou também professor.
E por isso, sempre que me dão um espaço eu estava aqui ou acolá explicando os fenômenos biológicos, tentando empolgar as pessoas com as minhas escolhas. Visitando equipes de controle de vetores ou de entomologia de vários municípios no país, percebi a carência desses profissionais por conhecimentos.
Então, na minha equipe eu sempre inicio os projetos explicando como as coisas acontecem na prática, a biologia básica dos vetores e vamos a campo para que possam aprender fazendo.
A gente se reune, discute e tiramos dúvidas. Recebo muitas fotos de mosquitos por aplicativos de mensagens e seguimos nas conversas explicando os detalhes. Mas sempre estamos valorizando o trabalho da equipe e inserindo os conhecimentos técnicos e científicos para que possam levar a frente, afinal de contas a equipe também disseminará essas informações junto às comunidades que são alvo dos nossos estudos.
Jornalista Rodolfo André Brito Araújo.