Morto por leptospirose, coreógrafo achou que estava com Chikungunya

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Coreógrafo Barata morreu na madrugada desta quarta-feira, vítima de leptospirose (Foto: Instagram/Reprodução)

Morto por leptospirose na madrugada desta quarta (17), o coreógrafo do FitDance, Cleidson Salustiano Francisco dos Santos, 37 anos, se queixava dos sintomas da doença desde março. Com suspeita de resfriado e até de Chikungunya, Barata, como era conhecido, nem chegou a descobrir a doença que tinha, já que entrou em coma um dia antes e não acordou mais.

O CORREIO conversou com um amigo de Barata, que preferiu ter seu nome preservado. Ele acompanhou o processo de internamentos do coreógrafo. 

Os primeiros sintomas apareceram no dia 31 de março. Com queixas de dor e febre, o coreógrafo procurou atendimento na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) de Brotas, onde recebeu atendimento médico, foi medicado e liberado. A suspeita inicial era de virose ou resfriado.

Como não apresentou melhora e a dor piorou, ele retornou à unidade médica no dia 3 de abril. Tomou uma injeção para dor e foi levantada por médicos a hipótese de Chikungunya, mas nenhum exame de sangue chegou a ser feito para comprovar o vírus. O professor de dança seguiu tomando remédios para dor.

O CORREIO teve acesso a uma mensagem enviada por Barata em um grupo de WhatsApp, no dia 6 de abril. No texto enviado para alguns alunos, ele relatou estar infectado pela doença. “Boa noite, galera. Fui diagnosticado com Chikungunya. Estou fazendo tratamento com medicamentos e, se melhorar, já na segunda eu volto direto para a aula”, contou ele, que estava usando remédios para controlar dor e febre. 

Os sintomas da leptospirose e da Chikungunya, segundo o infectologista e professor da Faculdade Bahiana de Medicina, Robson Reis, são parecidos. Segundo ele, ambas as doenças manifestam sintomas como febre alta, dor no corpo e na cabeça. 

No dia 8 de abril, segundo o amigo de Barata, o dançarino já estava sem quadro de febre, mas acordou com muita dor e começou a mancar.

“Na virada para o dia 9 ele começou a soluçar até. Foi aí que ele já precisou ser internado, inconsciente. Daí, ele já não acordou mais”.

O tratamento para a doença só começou, de fato, no dia 10 de abril, quando, ainda na UPA, Barata recebeu o diagnóstico da leptospirose. Essa doença é causada por uma bactéria chamada Leptospira, presente na urina de alguns animais. Embora geralmente associada aos ratos, a transmissão pode ocorrer por contato direto ou indireto também com a urina de outros animais, como bois, porcos, cavalos, cabras e até cães. 

Ao saber do diagnóstico, os médicos indicaram que ele fosse transferido para o Instituto Couto Maia, em Águas Claras, referência no tratamento da doença. “Ele recebeu um atendimento maravilhoso lá, mas desenvolveu insuficiência hepática aguda durante o processo e não resistiu”, conta o amigo do coreógrafo. A morte foi confirmada por volta da 1h da manhã desta quarta.

O CORREIO tentou contato com a Secretaria Municipal de Saúde (SMS) para confirmar as informações, mas não obteve retorno até a publicação desta reportagem.

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Barata trabalhava no FitDance há três anos e meio (Foto: Instagram/Reprodução)

Casos de mortes crescem na Bahia
De acordo com o infectologista e professor da Faculdade Bahiana de Medicina, Robson Reis, a leptospirose é transmitida quando a água contaminada pela urina de animais entra em contato com a pele ou mucosas do corpo, como a boca e os olhos. Também é possível ser infectado colocando a boca diretamente em latas de refrigerante antes de lavá-las, por exemplo, e comendo alimentos contaminados – essa forma de contágio, no entanto, é rara.

Na Bahia, com exceção de 2017, os números de contaminados com a doença têm diminuído. De acordo com dados da Secretaria Estadual de Saúde da Bahia (Sesab), em 2015 foram registrados 127 casos da doença no estado. Já em 2016 foram 53, enquanto 2017 apresentou 76 pessoas contaminadas. No ano passado, houve 70 registros de pacientes com a doença na Bahia.

Este ano, em levantamento feito pela Sesab até esta terça (16), a Bahia tinha 47 notificações da doença. Já Salvador, segundo a SMS teve 26 – dados até 12 de abril. A maioria dos casos, segundo Ana Galvão, chefe do setor de informações do Centro de Controle de Zoonoses (CCZ), são nos distritos de Subúrbio Ferroviário, Pau da Lima e Cabula/Beiru.

“Temos três setores prioritários, pela reprospectiva de casos nos últimos cinco anos. Temos as áreas quentes que seriam os distritos do Subúrbio Ferroviário, Pau da Lima e Cabula/Beiru, que tem o maior número de casos”, disse em entrevista à TV Bahia. 

Durante o Outono – estação atual -, os casos aumentam consideravelmente na Bahia e em Salvador em comparação aos demais períodos do ano. Entre 2008 e 2018, a Bahia registrou 1.191 casos da doença, sendo que 478 ou 40,13% foram no Outono. Na capital, o cenário é semelhante: foram 757 casos no total, sendo 297 ou 39,2% no Outono, quando cai maior volume de chuvas na cidade. Os dados são do DataSUS.

Já o número de mortes na Bahia aumentou no período de 2017 a 2018, saltando de seis para nove. Já em Salvador, no mesmo período, houve uma queda na quantidade de mortos por causa da doença, de seis para quatro. Barata é o quarto caso de morte por conta de leptospirose na Bahia em 2019, terceiro em Salvador. O outro óbito foi constatado no município de Boa Nova, no centro-sul baiano.

Ao CORREIO, o infectologista Robson Reis explicou que a doença pode demorar a se manifestar, graças à incubação da bactéria Leptospira no corpo. “A doença pode se manifestar de 1 a 28 dias após o contato com a bactéria. Leptospirose é uma doença que tem cura, tratamento específico com antibióticos e, na maioria dos casos, não causa grandes complicações. Mesmo assim é preciso ficar atento, se mantendo longe de enchentes, esgoto”, explica.

Já de acordo com o coordenador do serviço de infectologia da Faculdade de Tecnologia e Ciência (FTC), Antônio Bandeira, existem dois tipos de leptospirose. “No primeiro, os sintomas se assemelham à dengue. Febre, dor no corpo e na cabeça. Nesse, não há grandes riscos. O problema é quando ela evolui para o segundo estágio, com sintomas parecidos com a hepatite. O paciente apresenta olhos amarelos, insuficiência renal grave e hemorragia pulmonar. Nestes casos, a taxa de morte chega a 10%”, explica. Barata tinha o segundo caso.

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Dançarino era torcedor do Bahia e tinha 37 anos (Foto: Instagram/Reprodução)

Tênis molhado
Morador do Vale das Pedrinhas, Barata estudou na Escola de Dança, instituição integrada ao Centro de Formação em Artes (CFA) da Fundação Cultural do Estado da Bahia (Funceb). Antes de atuar no FitDance, participou do grupo Swing Raça, que participava de eventos de verão na capital baiana. 

Em nota, a assessoria do FitDance descreveu o funcionário como “um cara muito querido, sempre alegre, muito gaiato. Tinha a identidade de comunidade que a FitDance prega, era amigo de todo mundo, muito sorridente e deixará saudade”. Acrescentou ainda que ele fazia questão de participar de todos os eventos da empresa, fossem remunerados ou não.

Barata, que tinha 16 mil seguidores no Instagram, atuava no Centro de Estudos Fitdance há três anos, no núcleo de elaboração de coreografias. Ele também dava aulas em academias particulares da cidade, nos bairros da Paralela, Barra, Costa Azul e Barra, por exemplo.

O coreógrafo, que não deixa filhos, não era casado, mas mantinha um relacionamento de cinco meses com Bruna Sena, que atua como instrutora do FitDance. O corpo do coreógrafo será enterrado nesta quinta-feira (18), às 10h, no Cemitério Campo Santo.

Amigos e familiares do dançarino acreditam que o contato com a água contaminada foi o que causou a leptospirose em Barata. Isso porque, no local onde ele morava, costumava ter casos de alagamentos.

É o que conta o digital influencer Jatel Barbosa, 27, que era aluno de Barata em uma das academias que ele dava aula de dança, na Paralela. Ele conta que seu professor era vaidoso e tinha diversos tênis. Há um mês, ele chegou ao local com um tênis velho e furado, o que chamou a atenção de Jatel.

“Ele me disse que esse era o sapato de chuva dele. Que onde morava no Vale das Pedrinhas e que lá ficava alagado às vezes. Talvez tenha sido aí que ele contraiu a doença. É o que a gente acredita”, relatou.

Jatel conhecia Barata há mais 10 anos. Os dois iniciaram uma amizade em outra academia, no Nordeste de Amaralina. “Barata era uma pessoa incrível, muito descontraída. Para ele não tinha tempo ruim, mesmo em momentos difíceis, brincava com a gente. Ele sempre levava vídeos descontraídos para a gente dar risada na aula”, lembra Jatel.

* Com supervisão e colaboração da subeditora Fernanda Varela

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