Mosquito-palha se prolifera em lixo no Morro Santana

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Isabella Sander Com lixo, mato, desmatamento e falta de saneamento básico, as comunidades do Morro Santana, na Zona Leste da Capital, têm o cenário perfeito para a proliferação do mosquito-palha, transmissor da leishmaniose. A população da região é vítima desde o final do ano passado de uma endemia da doença, que já matou três pessoas – uma idosa de 81 anos, um homem de 43 e uma menina de dois anos. Mesmo com ações da prefeitura, o local permanece com focos de lixo e desinformação dos moradores. A leishmaniose visceral não é contagiosa, é causada por um parasita e ocorre principalmente em áreas rurais. Caracteriza-se por febre de longa duração, perda de peso e de força e anemia. Além do ser humano, animais silvestres, raposas e, em grandes cidades, especialmente cachorros também são hospedeiros da doença. No entanto, Leila Vizzotto, 56 anos, protetora de animais e moradora da região, alerta que o vilão da leishmaniose não é o cão. “O culpado é o homem, que foi chegando a locais de mata nativa,desmatando e criando focos de lixo”, avalia. Com a mudança de gestão da prefeitura de Porto Alegre, foi criado um impasse no que diz respeito à maneira de lidar com a leishmaniose em cães. Os animais com suspeita da enfermidade identificados até o ano passado ficaram aos cuidados da Secretaria Especial dos Direitos Animais (Seda), enquanto os recolhidos a partir de janeiro ficaram sob responsabilidade da Vigilância em Saúde, que determinou a eutanásia em 12 animais. Ativistas da causa animal e integrantes da Seda, porém, são contrários ao sacrifício. O imbróglio tem rendido reformulação dos protocolos municipais estabelecidos para esses casos e a formulação de uma proposta alternativa por parte da Seda e da sociedade civil organizada. Leila considera que as ações realizadas pela Vigilância em Saúde municipal no entorno do Morro Santana são insuficientes. “Os postos de saúde da região não estão preparados para tratar a leishmaniose e ainda há muitos focos de lixo. Além disso, visitamos as comunidades e a população nem sabe o que é leishmaniose”, destaca. As unidades de saúde Morro Santana, Laranjeiras e Tijuca oferecem kits para exames rápidos de contaminação, mas, conforme a ativista, há “toda uma burocracia” para usá-los e o atendimento é feito somente em horário comercial. A protetora garante que, apesar de defender os animais, também fala como moradora da região ao dizer que não adianta nada fazer eutanásia nos cães contaminados. “É preciso combater o mosquito, e rápido, porque a endemia pode aumentar e chegar a lugares como Viamão e Alvorada, onde não há políticas públicas para animais, tornando a situação ainda mais crítica”, aponta. Integrante do projeto Animais sem Fronteira, Silvia Guterres, 57 anos, critica a aplicação de inseticida por parte da Vigilância em Saúde nos locais afetados pela endemia. “A pulverização gera mutação nos mosquitos, que se tornam mais resistentes e se adaptam às condições adversas. O fumacê também mata os predadores do mosquito-palha, como a lagartixa”, revela. A prestadora de serviços gerais Núria Tavares da Silva, 52 anos, mora no bairro Jardim Protásio Alves, localizado no Morro Santana. Lá, procura fazer a limpeza de focos de lixo deixados pela população e cuidar dos cachorros de rua. “Castramos, vacinamos e damos casinha para todos”, relata, orgulhosa. A limpeza feita por Núria, contudo, é colocar o lixo no meio do mato, onde a coleta municipal não ocorre e por onde passa uma cachoeira, tornando o terreno mais úmido. Por isso, sua amiga, a aposentada Nara Moraes, 60 anos, solicitou pelo telefone 156 a retirada dos resíduos escondidos entre arbustos e árvores. “Eles foram lá e fizeram imagens do foco, mas ainda não limparam”, observa. A dona de casa Maria Cristina Oliveira da Silva, 49 anos, mora na Vila Laranjeiras e teve dois cães seus positivados no teste rápido e no teste Elisa, da prefeitura, para leishmaniose. “Estranhamos, porque eles não apresentavam sintoma nenhum e nós nunca os deixávamos soltos, mas aceitamos que levassem, já que o tratamento é muito caro”, lamenta. O entorno da casa de Maria Cristina não apresentava focos de lixo. Entretanto, é visível a situação de vulnerabilidade social na qual grande parte dos moradores da região se encontra. Logo atrás da Unidade de Saúde Laranjeiras, por exemplo, em um longo trecho de chão batido era possível ver poças d’água, valas abertas e pilhas de lixo espalhadas. Na beira da estrada, entre o asfalto e o morro, móveis abandonados e resíduos formam um caminho de lixo. Reunião técnica reorganiza diretrizes de combate Uma reunião técnica realizada ontem tratou dos fluxos de atendimento relacionados à leishmaniose visceral humana em Porto Alegre. No encontro, representantes de órgãos e entidades envolvidos buscaram uma readequação das diretrizes de combate à doença, principalmente nas regiões mais propensas da cidade. Ficou estabelecida a manutenção do uso dos testes rápido e Elisa para confirmação da enfermidade, apesar de protetores e alguns veterinários defenderem que esses exames não são conclusivos. Está sendo montado um protocolo para o tratamento com medicamentos, autorizado em casos nos quais o tutor do animal assumir a responsabilidade pelo pagamento dos remédios. Em casos de saúde pública, a prefeitura não arcará com os custos do tratamento. Os cães com suspeita de leishmaniose foram entregues pela Vigilância em Saúde para a Seda. Todos os protocolos envolvidos estão sendo revistos por uma equipe de médicos epidemiologistas e terão suas versões reformuladas apresentadas em até duas semanas. Conforme o coordenador adjunto da Vigilância em Saúde, José Carlos Sangiovanni, a prefeitura vem fazendo reuniões técnicas constantes desde o final do ano passado, para determinar os melhores encaminhamentos possíveis e como executá-los. “A leishmaniose tem sintomas muito semelhantes aos de outras doenças, então é importante sensibilizar não apenas a rede pública, mas também a privada, para fazer os testes em casos de suspeita na região de maior contágio”, explica. Se tratada de forma precoce, tem grande potencial de cura. Com o passar do tempo, no entanto, os sintomas vão se agravando e a doença atinge órgãos como baço e fígado. Sangiovanni destaca as quase 35 toneladas de lixo removidas na região do morro Santana pela prefeitura. A Vigilância em Saúde também tenta articular com outros departamentos a melhoria do saneamento da região e uma possível priorização daquela população em casos de remoção para moradias em locais mais seguros. “Já fizemos diversas reuniões com os moradores para conscientizar sobre a doença e falar sobre posse responsável. É difícil. Estamos há 20 anos com o trabalho relativo à dengue e ainda há pessoas que não sabem como evitar. É um processo”, avalia Sangiovanni.
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