Pesquisa da Fiocruz avalia a resistência do Aedes aegypti a inseticidas

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Aedes-Aegypti-nascendo
Crédito: Josué Damacena/IOC/Fiocruz
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Isis Breves 2 - Pragas e Eventos

Isis Breves

Jornalista – comunicação institucional, comunicação em saúde, comunicação interna. Amo o que faço?

“Resistance to temephos and deltamethrin in Aedes aegypti from Brazil between 1985 and 2017”.

É o título da pesquisa da Fiocruz publicada recentemente, que analisa a resistência dos mosquitos Aedes aegypti a dois importantes inseticidas utilizados por muito tempo no combate químico ao mosquito no Brasil: o larvicida temefós (que age diretamente no estágio larval) e o adulticida deltametrina (direcionado à fase adulta do vetor).  O levantamento reúne dados de mais de 700 avaliações em 146 municípios das cinco regiões brasileiras, incluindo resultados inéditos de mais de cem testes e a revisão da literatura científica de 1985 a 2017.

O estudo fornece evidências de como a resistência pode se espalhar, o que coloca em questão o controle vetorial baseado unicamente em inseticidas e ressalta a necessidade de monitoramento constante e o engajamento da população e do poder público no combate semanal aos criadouros do mosquito. Para falar sobre o estudo, o Portal Pragas & Eventos entrevistou a pesquisadora do Laboratório de Biologia Molecular de Flavivírus do Instituto Oswaldo Cruz (IOC) da Fiocruz, Denise Valle, coordenadora da pesquisa:

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Recentemente, o Congresso Nacional aprovou uma lei que autoriza a autoridade pública a pulverizar as cidades com inseticida para matar o mosquito transmissor da dengue, zika e Chikungunya. Nesse sentido, com a pesquisa publicada sobre o levantamento mais abrangente sobre a resistência do larvicida temefós e o adulticida deltametrina, os principais inseticidas empregados no combate ao Aedes aegypti, poderia explicar os resultados encontrados e sua relevância para repensar as estratégias de combate químico do vetor?

Denise Valle“Mesmo que os mosquitos fossem suscetíveis aos inseticidas, essa iniciativa não faria sentido: (1) o Aedes aegypti é um mosquito essencialmente doméstico, ou seja, mora dentro das casas das pessoas. Este tipo de pulverização ficaria estacionada sobre os telhados das casas e prédios ou, pior, sobre as pessoas que estivessem expostas, nas ruas. (2) Estes inseticidas são neurotóxicos, ou seja, atingem direta ou indiretamente o sistema nervoso, o que significa uma exposição das pessoas prejudicial e sem controle.

Em resumo, independentemente da resistência do mosquito aos inseticidas, esta ação não somente é pouco eficaz para o combate do vetor, como pode ser prejudicial à saúde das populações atingidas.

Neste momento, o julgamento de ação que contesta o uso de aeronave para pulverização de inseticida contra o mosquito Aedes aegypti está suspenso. Este julgamento aguarda voto de alguns ministros que não puderam comparecer à sessão. No entanto, tanto a ministra Carmen Lúcia, relatora do caso, quanto o Ministério Público mostraram parecer contrário para a utilização deste método de combate ao vetor.

Desde os momentos iniciais da discussão dessa matéria, pesquisadores da Fiocruz produziram e enviaram uma nota técnica ao Ministério da Saúde. Confira a nota “Considerações técnicas sobre a aplicação aérea de inseticidas em área urbana” (NOTA TÉCNICA N.º 4/2016/IOC-FIOCRUZ/DIRETORIA) no link a seguir:

http://www.fiocruz.br/ioc/media/NT04_2016_IOC_inseticida_aviao_dv_rlo_ppublicacao.pdf

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O controle do vetor Aedes aegypti é um desafio para a saúde ambiental e para a saúde pública, tanto que a cada verão são novas epidemias de doenças transmitidas pelo mosquito. No artigo da pesquisa, há dados que refletem a necessidades de substituição do produto em todo país. Poderia resumir tais informações desses testes realizados nos vetores em todas as regiões do país?

Denise Valle“Para o controle de Aedes aegypti, seja nos estágios de larva ou na forma adulta, o Brasil utiliza produtos químicos aprovados e recomendados pela Organização Mundial de Saúde (OMS).

Em relação ao combate às larvas, durante muitos anos somente o temephos, um organofosforado, era recomendado pela OMS. Seu uso contínuo provocou a disseminação da resistência a este larvicida. Atualmente, o temephos não é mais indicado em nenhum lugar do país. Nosso trabalho confirmou este resultado em municípios das cinco regiões do Brasil.

Sobre substituição: mais recentemente, a OMS aprovou outros produtos larvicidas, com atuação direta na regulação do desenvolvimento dos insetos e que são mais seguros para os seres humanos. Hoje, no Brasil, a recomendação é que sejam utilizados dois destes compostos, de forma alternada, para evitar que a resistência alcance níveis irreversíveis, como aconteceu com o temephos.

Em relação à fase adulta do inseto, a OMS recomenda cinco produtos para o controle do mosquito. Destes, quatro são da classe dos piretroides e um da classe dos organofosforados, conhecido como malathion. A resistência das populações de Aedes aegypti a piretroides está disseminada em todo o Brasil, em níveis muito altos, o que foi confirmado por nosso trabalho. Esta constatação inviabiliza a utilização de piretroides no controle de adultos. Inclusive, também produzimos uma nota técnica sobre o tema: “Recomendação técnica sobre a interrupção do uso de inseticidas piretróides no controle do Aedes aegypti no Brasil” (NOTA TÉCNICA N.º 2/2011/IOC-FIOCRUZ/DIRETORIA)

http://www.fiocruz.br/ioc/media/NotaTecnica%202%20IOC%20v1%20dengue%206%20set%202011.pdf

Hoje, o Brasil utiliza o malathion no controle químico de mosquitos adultos, uma vez que é a única opção viável”.

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Quais os prós e contras do controle químico do vetor e quais as necessidades de monitoramento? 

Denise Valle – “A principal questão aqui é a confusão conceitual entre o controle do vetor e o controle químico do vetor. No caso do Aedes aegypti, a eliminação dos criadouros é a ação mais recomendada, uma vez que a eliminação mecânica atinge de forma eficaz toda a população de mosquitos, indiscriminadamente, sem induzir nenhum tipo de resistência. Além disso, é mais fácil eliminar as larvas do que a forma alada (fase adulta).

O controle químico mata apenas os indivíduos suscetíveis ao inseticida. Atribuir ao inseticida a responsabilidade pelo controle do vetor resulta em seleção de populações resistentes ao inseticida e, em consequência, perda da eficiência deste produto. Foi o que vimos acontecer com o temephos e com os piretroides.

O controle químico do vetor é uma ferramenta complementar de controle, com aplicações bem definidas: os produtos contra larvas devem ser utilizados nos recipientes que não podem ser eliminados ou vedados. Por sua vez, os adulticidas, que são os inseticidas contra os mosquitos adultos, são indicados no bloqueio de surtos (pulverização ao redor da casa de pessoas infectadas, no início do aparecimento de casos) ou em pontos estratégicos, como borracharias, portos e aeroportos.

Tanto o monitoramento da densidade do vetor quanto o monitoramento da resistência aos inseticidas são importantes para otimizar as ações de controle”.

Saiba mais:

Veja detalhes da pesquisa na matéria de divulgação do Portal da Fiocruz em:

https://portal.fiocruz.br/noticia/pesquisa-mostra-os-efeitos-da-resistencia-inseticidas-no-mosquito-da-dengue

Leia o artigo “Resistance to temephos and deltamethrin in Aedes aegypti from Brazil between 1985 and 2017” na íntegra em:

https://memorias.ioc.fiocruz.br/article/6551/0544-resistance-to-temephos-and-deltamethrin-in-aedes-aegypti-from-brazil-between-1985-and-2017

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