Desde que os primeiros casos de anomalias em bebês passaram a ser reportados no Brasil, o mundo inteiro ficou sem entender por que o vírus da zika, até então aparentemente inócuo, passou a ser associado com malformações graves e, muitas vezes, letais. E isso quase 70 anos depois de seu primeiro registro na floresta de Zika, em Uganda (1947).
De acordo com estudo da “Science” publicado nesta quinta-feira (28), a resposta pode estar em uma mutação no código genético do vírus ocorrida em 2013.
A mutação sofrida no gene foi chamada de “S139N” — o número refere-se à posição (139) de uma proteína estrutural do vírus, chamada PrM.
Como os genes fornecem informações para todos os mecanismos do vírus, essa mutação pode ter levado o vírus a desenvolver uma predileção por células neuronais, diz a pesquisa.
O estudo foi liderado por Ling Yuan, do Instituto de Genética e Biologia da Academia Chinesa de Ciências, com a participação de outros 22 pesquisadores.
A mutação ocorreu da seguinte forma: em vez de o gene informar sobre a produção do aminoácido serina, ele passou a informar sobre o aminoácido asparagina.
Como essa mudança ocorreu em uma proteína associada a como o vírus interage com as células neuronais, essa mutação foi crucial para uma maior morte de neurônios que levam às malformações.
Os cientistas observaram essa mutação ao compararem variedades do zika de epidemias da América do Sul entre 2015 e 2016, que causava microcefalia, com um vírus que circulou no Camboja, na Ásia, em 2010, que não causava microcefalia.
“Essa é a mesma mutação que nós encontramos nas nossas cepas que circulavam no Nordeste, nas mães que tiveram microcefalia. Inclusive, encontramos essa mutação dentro do líquido amniótico dos fetos”, diz o pesquisador Amílcar Tanuri, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, que não está envolvido na pesquisa da ‘”Science”.
O grupo de Amílcar, junto com a Fiocruz, fez o primeiro sequenciamento genético do vírus da zika ligado a um caso de microcefalia. O artigo foi publicado em fevereiro de 2016 no periódico “The Lancet Infectious Disease”.
Vírus das Américas tem maior predileção por neurônios
Como o vírus sofreu muitas mutações entre 2010 e 2015, na pesquisa da “Science” divulgada nesta quinta, os cientistas testaram sete variedades diferentes do vírus em cobaias.
As amostras advindas das Américas levaram à morte de todos os camundongos, com manifestações neurológicas consistentes com as anomalias encontradas em bebês. Já as amostras vindas do Camboja, em 2010, mataram 16.7% dos ratos.
“Esses resultados mostram que as cepas contemporâneas foram mais neurovirulentas em cobaias que as de 2010”, escreveram os autores.
Em uma segunda etapa do estudo, os cientistas infectaram camundongos no estágio embrionário, em um período que corresponde ao segundo trimestre da gravidez em humanos.
Nos resultados, os pesquisadores identificaram que a amostra de 2010 causou sintomas menos severos nos embriões. Ainda, embora ambas as cepas tiveram redileção por células neuronais precursoras, as cepas de 2016 teve “significativa replicação” no cérebro, quando comparada com a de 2010.
Por fim, os cientistas analisaram o impacto da mutação S139N nas cobaias e observaram que o gene mutante levou a um “fenótipo mais severo de microcefalia”, com um córtex mais fino.
“As lesões que eles observaram no córtex nós vimos exatamente aqui nas nossas cepas”, diz Tanuri. “O neurotropismo do vírus brasileiro é maior e leva a mais mortes de neurônios.”
A importância do estudo
Ao encontrarem uma mutação associada às lesões, cientistas podem ter mais uma estratégia para o desenvolvimento de uma vacina conta o zika.
“Estou especulando e conjecturando aqui, mas daria para pensar na construção de uma vacina com um vírus de mutação atenuada”, diz Tanuri.
“Eu pensaria em tentar reverter essa mutação”, afirma o pesquisador.
Outros testes poderiam buscar sobre outras mutações associadas. Também, segundo Tanuri, seria importante o Brasil acompanhar se essa mutação se fixa ao longo do tempo por aqui.
No estudo da “Science”, cientistas não descartam que disfunções no sistema imunológico de mães ainda estejam associado à virulência do zika e ao seu impacto no cérebro de fetos.
“Uma hipótese plausível é que o zika adquiriu algumas mutações adaptativas para se tornar mais virulento ao cérebro de fetos”, dizem os autores.