São moscas. Muitas moscas. Segundo relatos de moradores, centenas delas que ficam espalhadas por todos os cômodos das casas, sobrevoando baixo, na altura das canelas. O veneno borrifado em locais estratégicos dos imóveis mata boa parte dos insetos, mas substitutos vão surgindo a todo tempo. A situação chegou ao Ministério Público de Blumenau, que foi acionado para investigar o caso. Uma inspeção de órgãos ambientais deve ocorrer nas próximas semanas.
Conforme depoimento de quem reside próximo à granja Kasulke, na Rua Max Link, no bairro Itoupava Central, em Blumenau, chegar ao lar após um dia de trabalho e descansar, sem ser incomodado, não é uma opção. Tampouco comer com tranquilidade ou manter os alimentos fora da geladeira. O barulho dos insetos e a sensação de algo pousando sobre os braços e pernas são constantes.
Além do desconforto, os insetos causam sujeira. No imóvel do casal Maria Cantelli, 58, e Dirceu Cantelli, 65 anos, as lâmpadas e janelas possuem pequenos pontos escuros.
— São fezes. Até parece que somos relaxados, mas é que limpamos e no dia seguinte já está tudo sujo de novo. No domingo (9) essa janela aqui estava toda preta, não dava nem para enxergar o vidro de tanta mosca — conta Maria, apontando, pelo lado de fora da casa, para uma das janelas.
A área externa fica ao lado do terreno da empresa. É possível enxergar um urubu sobre uma das árvores da propriedade vizinha, a procura de alguma carniça. Uma cerca divide as terras. Conforme os moradores, a situação vem piorando nos últimos dois ou três anos, mas se tornou insustentável entre o final de 2019 e estas primeiras semanas de 2020.
— Que nem esse ano eu nunca vi. Tubo de inseticida vai um por semana — complementa a vizinha, Angélica Oldoni, de 40 anos.
Os moradores ressaltam tudo que é gasto com veneno e com a conta de água, que fica mais cara devido às limpezas extras por causa da sujeira dos insetos. Só neste mês, Dirceu desembolsou cerca de R$ 100 em maneiras de acabar com as moscas. As tentativas são muitas. Desde receitas caseiras a marcas conhecidas no mercado. Em dias em que a temperatura está mais baixa a quantidade diminui, mas elas nunca somem, garante o casal.
— Meu filho acertou na loteria ao sair daqui. Isso prejudica a saúde da gente, não é vida —lamenta Dirceu.
O filho morava com a esposa na casa dos pais até o ano passado. O neto de Dirceu e Maria passou os primeiros meses de vida ali, em meio aos insetos. Para proteger o recém-nascido, as janelas sempre permaneciam fechadas e, quando não havia como evitar os invasores, o bebê ficava no colo. Dar as primeiras papinhas foi um desafio.
— A gente nem pode comer direito. É um desespero ver esse monte de mosca e não saber o que fazer — diz Maria.
No começo de fevereiro, ela recolheu assinaturas de vizinhos que também estão incomodados. O papel, que possui 145 nomes, foi entregue nesta segunda-feira (17) à Secretaria Municipal de Saúde, que coordena a Vigilância Sanitária.
MP acompanha situação
O caso chegou ao Ministério Público (MP) no último dia 12, após reclamações enviadas por moradores. Apesar de terem recorrido à Vigilância Sanitária, a competência não é do órgão. A instituição dará os devidos encaminhamentos ao documento deixado sob responsabilidade dela.
Conforme o promotor Leonardo Todeschini, nesta semana informações serão solicitadas ao proprietário da granja. Além disso, a promotoria pretende pedir que uma vistoria seja feita no local e arredores pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente, pelo Instituto do Meio Ambiente de Santa Catarina (IMA) e pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.
Esta não é a primeira vez que o MP analisa a história. Em maio do ano passado denúncias resultaram em uma Notícia de Fato, mas não passou disso. As instituições que foram até as residências não constataram a alta quantidade de moscas.
— Nós sabemos que isso acontece e queremos descobrir as causas, mas até agora não tivemos sucesso. Não tem como entrarmos com uma ação judicial sem provas — explica o promotor.
Ele garante que o MP vem acompanhando os relatos. Conforme o documento do ano passado, o IMA, apesar de não ter constatado o alto volume de insetos, explorou as “possíveis fontes do problema”. Entre elas o transporte de esterco e ovos quebrados, que são levados diariamente por produtores rurais, que os utilizam como fertilizantes. Ou então, ainda segundo o instituto, a má operação do sistema de tratamento de efluentes. No entanto, irregularidades nesse sentido não foram notadas.
A reportagem foi até à empresa na sexta-feira (14). Diante do escritório, sentiu um fedor de esterco e percebeu moscas voando pelo local. Uma funcionária pediu que o contato ocorresse horas depois por telefone, já que o proprietário não estava na granja naquele momento. Após mais de cinco tentativas, já na segunda-feira (17), um segundo colaborador pediu, por telefone, que as perguntas fossem feitas por escrito. Um e-mail foi enviado, até agora sem resposta.