Fiocruz Minas avalia a capacidade de voo dos mosquitos transmissores das leishmanioses

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Quanto mais se conhece a ecologia dos insetos transmissores de doenças, mais eficiente pode se tornar o controle deles. Na Fiocruz Minas, uma pesquisa realizada pelo Grupo de Estudos em Leishmanioses investigou a capacidade de voo dos flebotomíneos, mosquito que transmite os parasitos causadores das leishmanioses tegumentar e visceral. Os resultados mostraram que esses insetos, em seu habitat natural, podem voar por longas distâncias, diferentemente do que, até então, havia sido relatado na literatura.

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Armadilha instalada no Rio das Velhas, no município de Lassance (Foto: Fiocruz Minas)

“Ecologicamente, os flebotomíneos vinham sendo descritos como insetos com capacidade de voo limitada, que se locomovem em voos saltados. Entretanto, a ampla distribuição geográfica de várias espécies, inclusive em áreas com barreiras geográficas, como por exemplo os grandes rios, nos fez suspeitar que a capacidade de voo delas não era tão limitada e, assim, criamos estratégias para testar nossa hipótese”, explica o pesquisador José Dilermando Andrade Filho, coordenador do Grupo de Estudos em Leishmanioses.

Um trecho do Rio das Velhas, situado no município de Lassance, no norte de Minas, foi o local escolhido para realizar o estudo. Com o auxílio de um barco, os pesquisadores instalaram quatro armadilhas luminosas bem no centro do rio, que, no total, tem 180 metros de largura. As armadilhas foram instaladas a cerca de 90 metros equidistantes umas das outras, sendo deixadas por três dias consecutivas, em três meses diferentes. No final desse esforço, foram capturados, na área central do Rio das Velhas, seis flebotomíneos pertencentes a três espécies: Nyssomyia neivaai, Evandromyia lenti e Nyssomyia intermedia.

“A área foi escolhida exatamente por atuar como uma possível barreira geográfica à dispersão dos flebotomíneos, devido à ausência de elementos que possibilitassem os voos saltados. Também verificamos que o vento não interferiu no deslocamento dos insetos, pois a velocidade do vento durante o período da pesquisa foi inferior à velocidade de voo desses mosquitos, que é de 2,34 a 2,52 km/h, conforme estudos anteriores. Dessa forma, a captura dos seis exemplares permitiu comprovar a ampla capacidade de voo dos flebotomíneos, uma vez que, para chegar ao centro do Rio das Velhas, obrigatoriamente, eles tiveram que voar até lá”, afirma o pesquisador. Entre os seis insetos capturados, quatro são da espécie Ny. Neiva, que, no Brasil, é uma das principais transmissoras do L. braziliensis, protozoário causador da leishmaniose tegumentar.

Insetos marcados

No mesmo trecho do Rio das Velhas, um segundo experimento foi realizado. Os pesquisadores capturaram 1.450 flebotomíneos na margem esquerda do rio e, com o auxílio de um pulverizador, marcaram os insetos com um pó fluorescente colorido. Posteriormente, eles se dirigiram à margem direita do rio, onde liberaram os mosquitos marcados. Na margem esquerda, armadilhas foram instaladas, com o intuito de verificar se os insetos marcados e soltos do lado oposto poderiam ser recapturados. Neste segundo experimento, nenhum flebotomíneo marcado com pó fluorescente foi coletado. Para os pesquisadores, alguns fatores influenciaram nos resultados.

“Muitos flebotomíneos marcados e liberados sofrem estresse e morrem momentos após a liberação. Além disso, a taxa de recaptura geralmente é muito baixa. Em trabalhos de outros autores, realizados em galinheiro com armadilhas instaladas a cada 10 metros, a recaptura já é bem reduzida. Precisaríamos liberar um número bem maior de indivíduos marcados, para obter uma taxa muito baixa de recaptura”, avalia.

Incluindo os dois experimentos, a pesquisa teve início em 2018 e foi concluída em 2021, após sofrer um atraso, devido à pandemia de Covid-19. O estudo faz parte da tese de doutorado de Gabriel Tonelli, aluno do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde da Fiocruz Minas, que foi quem desenvolveu as plataformas para a coleta dos flebotomíneos no centro do Rio da Velhas. O projeto contou ainda com a colaboração da pesquisadora Carina Margonari. Os resultados foram relatados em um artigo intitulado Sand fly behavior: much more than weak-flying [Comportamento do flebotomíneo: muito mais do que mal voadores], veiculado pela revista Memórias do Instituto Oswaldo Cruz.

“Nossos resultados podem ajudar os serviços de vigilância a pensar em novas estratégias de controle. Têm também uma importância ecológica, afinal, ao apresentar novas informações sobre um ser vivo, estamos contribuindo para o aprofundamento do conhecimento científico”, destaca o pesquisador.

A doença

As leishmanioses se dividem em dois tipos: tegumentar, que ataca a pele e as mucosas; e visceral, que ataca órgãos internos, como fígado e baço. A doença é causada por protozoários do gênero Leishmania, que ficam hospedados principalmente em roedores e cães domésticos e são transmitidos ao homem pelas fêmeas de flebotomíneos, popularmente conhecidos como mosquito palha, cangalhinha e birigui. As medidas mais utilizadas para o enfrentamento da doença se baseiam no controle de vetores e dos reservatórios, proteção individual, diagnóstico precoce e tratamento dos doentes, manejo ambiental e educação em saúde.

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