Produtores rurais da agricultura familiar na Amazônia enfrentam dificuldades para realizar o manejo adequado de pragas que assolam as lavouras. Com o objetivo de fornecer informações e dar orientações sobre técnicas de monitoramento, manejo e controle de pragas, um grupo de pesquisadores elaborou um manual prático para ser utilizado por produtores rurais da agricultura familiar.
O “Manual de pragas das culturas do Baixo Madeira” foi lançado em abril de 2022 e apresenta as principais características, os sintomas, o monitoramento, o nível e as táticas de controle de 41 pragas (insetos e ácaros) encontradas na região do Baixo Madeira, associadas a danos em 13 culturas (açaí, abacaxi, acerola, banana, caju, citros, cupuaçu, goiaba, graviola, mandioca, manga, maracujá e melancia). O manual foi elaborado por seis autores e está disponível gratuitamente no formato e-book.
Clique aqui para conferir o “Manual de pragas das culturas do Baixo Madeira”
Em entrevista, o Biólogo Fábio Medeiros da Costa (CRBio 052376/06-D), coautor da obra, explica como foi o processo de criação do material, a partir do levantamento e da coleta de informações em campo, e destaca a atuação de Biólogos na área de Controle de Vetores e Pragas e na Epidemiologia. “O biólogo tem essa visão de integrar o meio ambiente à epidemiologia, sendo isso fundamental nos estudos das doenças, pois conseguimos perceber rapidamente os determinantes e condicionantes na cadeia de transmissão dos agravos à saúde”, afirma.
Fábio Medeiros possui graduação em Ciências Biológicas, Bacharelado e Licenciatura pela Universidade Estadual da Paraíba (UEPB). É especialista em Ensino de Ciências Biológicas, em Controle Biológico e em Biologia Ambiental pelo Conselho Regional de Biologia 6ª região (CRBio 06). Possui Mestrado e é Doutorando em Entomologia pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia – INPA. Atua como consultor técnico e pesquisador da Oikos Consultoria e Projetos, e possui experiência nas áreas de Educação, Saúde Pública, Meio Ambiente e Entomologia, com ênfase em Insetos Vetores.
Confira a entrevista, na íntegra, a seguir:
CRBio-06 – Levando em consideração a extensão territorial de nossa região e a dificuldade de acesso às inúmeras comunidades praticamente isoladas, como você avalia a questão epidemiológica e o controle de vetores pragas atualmente. Como está este cenário em relação a períodos anteriores? Existem ameaças crescentes?
FMC – Vou dividir a resposta em duas: pragas agrícolas e pragas/vetores domésticos. No âmbito das pragas agrícolas, os pequenos produtores rurais têm muitas dificuldades em contê-las, seja pela falta de conhecimento, acesso a recursos financeiros e a profissionais capacitados para conseguir controlar esses organismos. Muitas vezes abandonam as produções atacadas por pragas ou as queimam justamente por esses motivos. Já as pragas domésticas (baratas, ratos) e os vetores, a região amazônica tem sido assolada há décadas por muitas epidemias de doenças transmitidas por esses animais: leptospirose, diarreias, malária, dengue, zika, Chikungunya, febre amarela e leishmanioses, além dos surtos de doença de Chagas aguda envolvida no consumo e preparo inadequado de açaí. Na atualidade vemos esses cenários se intensificarem, pois é constante o crescimento desordenado das cidades, com precárias condições de saneamento básico e pobreza extrema que imprime hábitos e condutas de higiene inadequadas. Além disso, projetos econômicos desvinculados do que preconiza as legislações de vetores, como por exemplo, a piscicultura, que proporcionou o desencadeamento de malária justamente pela construção de tanques, tornando-se berçários para proliferação de anofelinos.
Ainda no campo do avanço do crescimento das cidades, temos as doenças transmitidas pelo Aedes aegypti (dengue, zika e chikungunya) em escalada de crescimento no Norte e em todo o Brasil justamente pela falta ou relaxamento na vigilância nos domicílios, a qual foi intensificada pela pandemia Sars Cov 2, já que as visitas domiciliares pelos agentes de endemias tiveram que ser suspensa. Adicionalmente, essa urbanização precária e o aumento da pobreza impõe nas pessoas certas condições de sobrevivência que favorecem o Aedes aegypti e o Culex quinquefasciatus, já que a falta de água obriga a população a armazená-la em recipientes que se tornam criadouros perfeitos para esses mosquitos. Como se fosse pouco, os esgotos a céu aberto e fossas sépticas são também importantes recursos que são explorados por esses mosquitos. Chamo a atenção que o Aedes aegypti já se adaptou a proliferar em fossas sépticas, demonstrando que a tolerância desse vetor aos ambientes poluídos é muito maior do que imaginávamos.
O avanço humano sobre os recursos naturais para o extrativismo vegetal e mineral ou expandir áreas para agricultura insere as pessoas em graus de exposição a vetores e parasitos silvestres que concorrem para o aumento de surtos de leishmanioses, doença de Chagas e filarioses. Ao adentrar nas florestas as pessoas se inserem nos ciclos enzoóticos, contaminando-se com parasitos por meio das picadas hematófagas, trazendo essas doenças para o meio urbano e disseminando-as ou levando a impactos nos sistemas de saúde.
Já os animais domissanitários (baratas e roedores) são veiculadores de doenças tais como, a urina de ratos que contém a bactéria da leptospirose, e as baratas com bactérias e protozoários causadores de diarreias.
Neste contexto, as atividades humanas causam muitos impactos em termos de saúde. E com o avanço da pobreza essas doenças crescem juntas e impactam a qualidade de vida, o sistema de saúde e forçam para que o desenvolvimento humano seja ainda mais prejudicado.
CRBio-06 – Como você enxerga o desenvolvimento de projetos nesta área com foco nas especificidades da Região Norte, que como sabemos abriga uma das maiores biodiversidades do planeta? Temos a estrutura necessária para atender as iniciativas dos pesquisadores ou existem muitos pesquisadores que não conseguem desenvolver seus projetos, e se isto acontece, quais são as principais dificuldades e o que falta para enfrentar esse problema?
FMC – Eu percebo que as agências de fomento às pesquisas com mais recursos financeiros estão mais centradas nos eixos sudeste e sul do país. Isso se dá devido a fatores históricos (por onde começou a cultura da pesquisa), por onde se concentra a maior renda do país, onde concentram as grandes universidades e institutos de pesquisas, e o maior número de doutores. Pesquisadores na Amazônia têm que concorrer com muitos currículos bons nas agências de fomento nacionais. Muitas vezes saem perdendo recursos em editais por causa disso. Infelizmente os laboratórios e grupos de pesquisas na Amazônia, sejam em universidades ou institutos de pesquisas, embora tenham talentos importantes, têm que se desdobrar para conduzir suas pesquisas, pois há sérios problemas de infraestrutura, de pessoal para colaboração (mão-de-obra) e recursos para deslocamento e manutenção, visto que as distâncias amazônicas são gigantescas. Os recursos financeiros para bancar pesquisas, infraestrutura e mão-de-obra localmente são insuficientes para gerar produtos e poder explorar o potencial que existe na biodiversidade local.
CRBio-06 – Existem projetos ou ações necessárias para melhorar a situação epidemiológica na Amazônia? Dentre os projetos que você tem conhecimento, quais você considera mais relevantes?
FMC – Sim, existem várias iniciativas neste sentido. Por exemplo, a Bill & Melinda Gates Foundation financia muitos projetos com a finalidade controle de doenças tropicais tais como a malária. Diversas instituições como a Fiocruz têm acessado recursos dessa fundação para tocarem projetos que buscam controlar essa doença.
CRBio-06 – Independente da sua preocupação com o avanço de doenças como a dengue e a chikungunya, você tem estudado a questão das pragas em culturas da região, tendo inclusive lançado o livro “Manual de pragas das culturas do Baixo Madeira”. Você poderia falar sobre o que representa este manual, qual a sua importância para as nossas comunidades? Onde podemos encontrar sua publicação.
FMC – Essa pergunta e resposta que vou dar, ambas já resumem parte do que vivenciamos localmente com demanda por mão de obra qualificada. Sou entomólogo, e pela falta de gente para trabalhar, acabei trilhando os caminhos da área de pragas agrícolas, pragas domésticas e vetores. A necessidade e as demandas que foram surgindo como professor e pesquisador acabaram me fazendo caminhar profissionalmente com tudo isso junto. Portanto, tenho publicações e trabalhos nessas três frentes. Recentemente lançamos essa obra “Manual de pragas das culturas do Baixo Madeira” justamente porque vivenciamos muitas necessidades dos moradores e produtores locais em como controlar as pragas das suas plantações de onde tiram o sustento. Em nossas visitas em campo, observamos diretamente muitas perdas no açaí, na melancia, na manga, na banana, entre outras. Fomos registrando esses problemas. Aí veio a pandemia e nós tivemos que nos distanciar dos ribeirinhos e de nós mesmos, colegas de trabalho. Então tive a ideia de mantermos nossas cabeças ocupadas, sumarizando nossos conhecimentos e registros fotográficos. Juntamos isso tudo e pensamos que seria ótimo produzirmos esse livro, tipo um manual ou cartilha, para que quando retornássemos as atividades presenciais, nós pudéssemos chegar com algo concreto que pudesse ajudar aos pequenos produtores da agricultura familiar. Nós conseguimos patrocínio da Usina Jirau para impressão de 150 unidades para que pudéssemos distribuir durante as orientações junto aos ribeirinhos. Mas vamos disponibilizar de forma gratuita o e-book na página da usina para que todos possam acessar esse material.
CRBio-06 – Para finalizar, qual é o futuro da Epidemiologia na Amazônia? Em qual campo específico temos muito a fazer e quais as possibilidades dessas perspectivas virem a ser uma realidade, considerando a situação atual?
FMC – Epidemiologia sendo explorada como campo de atuação do biólogo pode muito bem ser explorada na Amazônia para interpretação de comportamentos de doenças, prevenção de surtos, orientação de viajantes, estudos de moléculas potenciais para conter avanços de doenças. Tudo isso aliado às novas ferramentas tecnológicas com o 5G para que possamos dar respostas mais rápidas na contenção e investigação de doenças. O biólogo tem essa visão de integrar o meio ambiente à epidemiologia, sendo isso fundamental nos estudos das doenças, pois conseguimos perceber rapidamente os determinantes e condicionantes na cadeia de transmissão dos agravos à saúde. Há grandes desafios a superar no combate à pobreza e no uso indiscriminado dos recursos naturais, e nós certamente estaremos lá na tentativa de solucionar os graves problemas de saúde relacionados a doenças tropicais, inserindo novas ferramentas de controle, monitoramento e prevenção.