ZOONOSES
Todos estes coronavírus são considerados zoonoses por definição e mecanismo de transmissão.
Zoonoses são doenças ou infecções naturalmente transmissíveis entre animais vertebrados e seres humanos.
Doenças ou infecções porque ocorrem infecções inaparentes onde vertebrados se comportam como portadores sem estarem doentes.
Várias outras doenças, além dos coronavírus, tem sua origem em animais se adaptando aos seres humanos e, portanto, zoonoses. Por exemplo o HIV, que derivou do vírus de imunodeficiência símia, saiu da espécie melhor adaptada (primatas não humanos) e passou a infectar o ser humano.
De acordo com sua origem as zoonoses podem ser classificadas em dois grandes grupos:
ANTROPOZOONOSE: doença primária de animais e que pode ser transmitida aos humanos. Ex. Brucelose, raiva, leishmania, leptospirose.
ZOOANTROPONOSE: doença primária de humanos e que pode ser transmitida aos animais. Ex. Tuberculose, Amebíase, difteria, malária.
Vale lembrar que 60% dos patógenos humanos são zoonóticos; 75% das doenças humanas emergentes são de origem animal e 80% dos patógenos que poderiam ser usados para bioterrorismo são de origem animal.
Esta é uma questão que não pode ser deixada de lado porque acredita-se que as futuras guerras serão sem destruição dos materiais, seu foco serão somente as pessoas. Tanto é que já se desenvolveram bombas de nêutrons que matam apenas seres vivos.
Só que os custos são elevados, por esta razão laboratórios tem armazenados uma série de patógenos prontos para serem usados em uma guerra biológica de custo baixo.
Não é ser fatalista, mas realista.
O uso de agentes biológicos como arma não é novidade para a humanidade. Durante séculos, até a atualidade, a guerra biológica tem sido objeto de muita pesquisa e especulação, mas de pouca ação, segundo o Dr. Luiz Jacintho da Unicamp.
O bioterrorismo e a bioguerra são, portanto, uma realidade. Ataques mais graves possivelmente não teriam acontecido pela dificuldade ou mesmo incapacidade de disseminar de maneira eficiente os agentes infecciosos, sem dúvida o aspecto mais complexo no desenvolvimento das armas biológicas.
O médico Donald Henderson foi coordenador do Programa de Erradicação da Varíola da Organização Mundial da Saúde (OMS), iniciado em 1966, e ajudou a eliminar por completo a doença em 1980, após fazer mais de 300 milhões de vítimas fatais no século 20.
Hoje dirige o Centro de Biossegurança Civil da Universidade John Hopkins, nos Estados Unidos desenvolvendo protocolos para defender os Estados Unidos contra uma possível guerra biológica.
Segundo ele, hoje é muito difícil erradicar alguma doença.
A convenção internacional sobre armas biológicas, 29 de junho de 1972, começou a vigorar em 29 de abril de 1997 promulgado e assinado por 65 países, entre eles, Brasil, Estados Unidos e Rússia. A Organização para a Proibição de Armas Químicas proíbe o uso a grande escala, desenvolvimento, produção, armazenagem e transferência de armas químicas.
Em 2018 passaram a ter 192 países-membros. Myanmar e Israel, que fazem parte da Organização das Nações Unidas, não ratificaram o tratado. Angola, Coreia do Norte, Egito e Sudão do Sul, também signatários da ONU, seguem fora da convenção.
Atualmente existem laboratórios capazes de produzir armas biológicas espalhados pelo Iraque (antraz; Clostridium perfringens, cólera, salmonela, febre aftosa, e varíola do camelo) Irã, Síria ( antraz, peste, tularemia, botulismo, varíola, cólera, e camelpox, e tem usado a ajuda da Rússia na instalação de antraz em ogivas de mísseis), Líbia, Índia, Paquistão, China (febre hemorrágica), Estados Unidos (varíola, pólio, ebola), Rússia (tularemia, varíola, pólio, antraz, ebola), Coréia do Norte (varíola) e Afeganistão, França (varíola), Iraque (varíola), Alemanha (tularemia, antraz, mormo).
As armas biológicas mais fabricadas são feitas a partir do Anthrax, Botulismo, Varíola e Ebola, pois são baratos, mais simples de se usar, atravessa fronteira facilmente, de fácil transporte e de grande potência devastadora, em pouca quantidade destrói grande território.
Dois quilos de anthrax ou varíola podem contaminar uma população de 150 mil a 300 mil pessoas. Se forem 5 milhões pessoas, são suficientes pouco mais de 30 quilos do vírus da varíola.
Pode-se dizer sem sombra de dúvida que qualquer país que tenha laboratórios de classe 1 até 4 e que possua em seu território doenças transmissíveis e letais poderá desenvolver sua arma biológica.
Como diz o prof. Luiz Jacintho da Unicamp em seu trabalho Guerra biológica, bioterrorismo e saúde pública, em tese, praticamente qualquer agente biológico pode ser usado como arma.
O tipo de laboratório para produzir estas cepas vai depender da periculosidade do agente. Vale lembrar que hoje, com a engenharia genética é possível modificar certos genes tornando-os mais letais, virulentos, transmissíveis.
No novo século, as características de organismos patogênicos têm sido geneticamente modificadas de maneira a permitir seu emprego como arma. Armas seletivas, que podem ir desde a desmobilização até a morte de contingentes populacionais com bilhões de almas.
O primeiro vírus 100% artificial do mundo foi criado em laboratório por cientistas da Universidade de Nova York. Eles copiaram o material genético do vírus da polio e criaram o microrganismo.
Especialistas temem que a técnica possa ser aplicada no desenvolvimento de armas biológicas, como o vírus da varíola.
Armas biológicas são artefatos de controle difícil e de potencial destrutivo desconhecido.
Nunca houve um emprego em larga escala dessas armas, salvo talvez pelo exército japonês na Mandchuria, e a possibilidade do feitiço virar contra o feiticeiro era, e é, um risco real.
Somente em anos recentes é que a biotecnologia veio trazer instrumentos mais precisos para a elaboração de armas biológicas
Para se ter uma ideia da rapidez de disseminação de doenças, em 1972 um peregrino retornou de Meca para a então Iugoslávia, com febre. Nas quatro semanas seguintes ao seu retorno, 150 pessoas adoeceram em diversos lugares. Foi esse o tempo necessário para se chegar, finalmente, ao diagnóstico de varíola.
Com o tratado da Convenção sobre a Proibição de Armas Biológicas (CPAB), esperava-se que os agentes biológicos não fossem mais utilizados para fins de guerra ou bioterrorismo, mas eventos ocorridos após a sua promulgação mostraram que não.
Em 1979, ocorreu um surto de antraz em Sverdlovsk, na antiga União Soviética, inicialmente atribuído ao consumo de carne contaminada, que causou grande número de mortes.
Posteriormente, verificou-se que o surto resultou da dispersão de esporos de antraz, sob forma de aerossol, a partir de um acidente ocorrido em uma instalação militar de microbiologia que produzia a bactéria Bacillus anthracis, embora a União Soviética fosse um dos estados parte da CPAB desde 1975.
Em 1984, uma seita, no Oregon (Estados Unidos), utilizou Salmonella typhimurium para contaminar bufês de salada, provocando gastroenterite em aproximadamente 751 pessoas.
Em 2001, logo após o ataque terrorista de 11 de setembro, foram disseminados esporos de antraz, por meio do sistema postal americano, ocasionando 23 casos de antraz, relatados ao CDC/Atlanta, sendo onze casos confirmados de antraz pulmonar e doze casos de antraz cutâneo, dos quais sete casos confirmados e cinco casos suspeitos.
O grupo ultranacionalista japonês, Aum Shinrikyo, autor do ataque com gás Sarin no metrô de Tóquio em 1995 já havia empregado esporos do B. anthracis, mas sem causar vítimas.
Portanto, a pergunta já não é “se ocorrer?” e sim “quando?” e “o que fazer?”
Uma vez que alguns agentes utilizados como armas biológicas necessitam de um período de incubação, não apresentando seus efeitos imediatamente após serem dispersos, um evento de bioterrorismo pode ocorrer silenciosamente, sem nenhum aviso prévio, só sendo percebido quando surgem seres humanos doentes ou mortos.
Assim, quando as autoridades forem alertadas para a ocorrência de um evento deste tipo, o número de vítimas já poderá ser expressivo, sobrecarregando os sistemas de saúde e acarretando uma grande demanda de profissionais qualificados para atuar neste tipo de ameaça, quantidades expressivas de medicamentos e vacinas, materiais e equipamentos, além de informações e treinamento adequados.
Desta forma, e de um modo aparentemente inesperado que a saúde pública passa a estar envolvida com um assunto antes de interesse apenas militar.
Biossegurança é “o conjunto de medidas e procedimentos que visam proporcionar ao corpo social e a cada indivíduo o maior grau possível de biossegurança sob aspectos científicos, econômicos, sociais, culturais e morais”.
Um informe técnico da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), 2005, aborda a importância de medidas de biossegurança no combate ao bioterrorismo, como a iniciativa de montar uma rede de laboratórios de nível de biossegurança 3 (NB3) capazes de trabalhar com agentes biológicos como o Bacillus anthracis, utilizado por terroristas nos atentados em 2001 nos Estados Unidos, e com isso aumentar a capacidade do país na área de diagnóstico.
Outra abordagem do tema em estudo pode ser verificada no trabalho de Kottow sobre bioterrorismo, biodefesa e bioética, 2003, que trata de assuntos como o aparecimento de angústias sociais, que têm como características tanto o pânico social quanto as situações de risco, produzidas por este tipo de evento.
Os agentes biológicos mais citados nas publicações pesquisadas são os causadores de antraz (25%) e de varíola (15%).
Radosavljevicem seu trabalho Bioterrorism. Types of epidemic, new epidemiological paradigma and levels of prevention, 2007, ressalta que o objetivo principal destes atos é a disseminação de medo, pânico, ansiedade e insegurança na população, provocando a perda de confiança nas autoridades governamentais e prejuízos econômicos.
Os ataques resultam em doença e morte, destroem o equilíbrio psicológico e emocional da população e expõem os indivíduos à submissão pelo medo.
Uma guerra biológica não se baseia apenas no lançamento de um agente, mas cria e se efetiva baseado em vários fatore sanitários, econômicos, sociais como por exemplo:
- Instaurar o medo
- Criar pânico
- Ansiedade
- Insegurança
- Perda de confiança nos órgãos públicos
- Prejuízos econômicos
- Causa doença desconhecida
- Alta mortalidade
- Desequilíbrio psicológico
- Submissão pelo medo
- Falta de controle sobre os agentes biológicos
- Silencioso
- Tempo de incubação longo
- Sistema de saúde despreparado
- Ausência de tratamento
- Desconhecimento
Como arma de guerra o uso de agentes biológicos sempre existiu nos enfrentamentos desde a pré história.
Na pré história usavam machados de pedra, facas, flechas, lanças impregnadas de fezes.
No Século XV, Pizarro presenteou os nativos com roupas contaminadas com varíola; em 1710, tropas russas utilizaram-se da peste contra a Suécia; tropas inglesas também distribuíram cobertores contaminados com varíola, durante a Guerra Franco-Indiana (1754-1767) e durante a Guerra de Independência dos Estados Unidos.
Durante a I Guerra Mundial começa a sistemática utilização da guerra biológica. Nesse período, os alemães empreenderam algumas tentativas para contaminar cavalos com mormo das tropas americanas.
Na Antiguidade e na Idade Média os Exércitos usavam corpos em decomposição para contaminar o abastecimento de água de uma cidade sitiada, ou atiravam cadáveres de vítimas de varíola ou peste bubônica (conhecida na Idade Média como peste negra) por catapultas que apresentava também um impacto moral pela visão de um corpo voando sobre a muralha e se espatifando no pátio interno da fortaleza ou cidade, além do forte odor do corpo em putrefação.
Um dos mais conhecidos e desastrosos usos de armas biológicas foi realizado pelos pais da Guerra Biológica, os Mongóis, comandados por Jani Beg em 1343, descendente de Genhis Khan, atiravam para dentro dos muros da cidade portuária inimiga de Kaffa na Criméia, hoje província da Ucrânia cadáveres em estado avançado de decomposição de soldados mongóis que sucumbiram à Peste Negra.
Mas não obteve vitória porque seu exército sucumbiu à peste. O feitiço virou contra o feiticeiro.
Como se isso não fosse o suficiente, a doença começou a se alastrar pela cidade, causando a morte em massa dos inimigos do imperador. Os poucos sobreviventes do ataque, fugiram, espalhando ainda mais a Peste pelo continente Europeu acreditando-se que assim se originou a epidemia na Europa matando de 75 a 200 milhões de pessoas entre os anos de 1347 a 1351.
Apesar de desastroso foi a origem das guerras biológicas que acabaram se disseminado pelo mundo em diferentes épocas imitando ou criando novas formas bélicas.
Conquistadores espanhóis comandados por Francisco Pizarro, em 1529, subjugaram o império inca, enviavam soldados ou escravos à frente com lanças com pano impregnado de secreções com varíola contra os indígenas e ao levantar acampamento abandonavam objetos contaminados.
Em 1763, o exército britânico enviou cobertores e lençóis de hospital para pacientes com varíola aos índios Delaware, aliados dos franceses.
Na primeira guerra (1914 a 1918) a Alemanha contaminou ovelhas com carbúnculo e mormo que iam para a Russia.
Mormo foi usado na primeira e na segunda guerra mundial, pela Alemanha, na Rússia, para debilitar e matar cavalos e soldados inimigos.
Entre 1918 e 1935, os donos de terras, no Estado de São Paulo, conseguiam roupas que haviam sido usadas por vítimas mortais da varíola em hospitais e eram espalhadas, juntamente com outras oferendas, ao longo dos trilhos que se sabia serem usados pelos Índios. Isto quase dizimou a população indígena do estado de São Paulo.
Entre 1940 e 1944 o Japão bombardeou 11 cidades chinesas com bombas contendo peste e tifo.
Os EUA, em 1941 lançou sobre Changteickn, bombas com Y. pestis ocasionando aproximadamente 1.700 mortes de soldados japoneses.
O VÍRUS
Há uma discussão entre aqueles que os consideram seres vivos por terem carga genética produzindo outros iguais, evoluem em resposta ao ambiente através de variabilidade e seleção e se reproduzem.
Para outros não são seres vivos por não terem metabolismo próprio, não podem captar nutrientes, não utilizam energia e nem realizam qualquer atividade biossintética.
Os vírus são seres muito simples e pequenos (medem menos de 0,2 µm – cada µm equivale à milésima parte do mm), formados basicamente por uma cápsula proteica envolvendo o material genético, que, dependendo do tipo de vírus, pode ser o DNA, RNA ou os dois juntos.
A palavra vírion ou víron é usada para se referir a uma única partícula viral que estiver fora da célula hospedeira.
Vírus é uma partícula basicamente proteica que pode infectar organismos vivos. Vírus são parasitas obrigatórios do interior celular e isso significa que eles somente se reproduzem pela invasão e possessão celular.
Tipicamente, estas partículas carregam uma pequena quantidade de ácido nucleico (seja DNA ou RNA, ou os dois) sempre envolto por uma cápsula proteica denominada capsídeo.
Os vírus tem diferentes formas dependendo de sua carga genética.
Alguns vírus são formados apenas pelo núcleo capsídeo, outros, no entanto, possuem um envoltório ou envelope externo ao nucleocapsídeo. Esses vírus são denominados vírus encapsulados ou envelopados.
O envelope consiste principalmente em duas camadas de lipídios derivadas da membrana plasmática da célula hospedeira e em moléculas de proteínas virais, específicas para cada tipo de vírus, imersas nas camadas de lipídios.
As espículas, também chamadas de chaves do vírus, são estruturas proeminentes, geralmente constituídas de glicoproteínas e lipídios, que são encontradas ancoradas ao envelope, expostas na superfície responsáveis por se ligarem às células.
A conformação destas espículas precisa encontrar células que tenham receptores (fechaduras) que se liguem a estas espículas específicas. Por isto a especificidade dos vírus pelo fato de diferentes células terem diferentes receptores.
São as moléculas de proteínas virais que determinam qual tipo de célula o vírus irá infectar. Geralmente, o grupo de células que um tipo de vírus infecta é bastante restrito.
Vírus são parasitas intracelulares obrigatórios. Assim, para executar o seu ciclo de vida, o vírus precisa estar no interior de uma célula.
Em muitos casos os vírus modificam o metabolismo da célula que parasitam, podendo provocar a sua degeneração e morte. Mas não é sua atividade fim uma vez que ele precisa da célula viva para se manter vivo. Esta é uma das razões dele produzir um grande número de descendentes e de forma o mais rápido possível, uma vez que esta célula hospedeira poderá vir a morrer.
Para isso, é preciso que o vírus inicialmente entre na célula: muitas vezes ele se adere à parede da célula e “injeta” o seu material genético ou então entra na célula por englobamento – por um processo que lembra a fagocitose, a célula “engole” o vírus e o introduz no seu interior chamado Endocitose-mediada-por-um-receptor, que consiste na ligação de uma molécula extracelular a um receptor na membrana celular.
Estes receptores, igualmente constituintes da membrana, estão muitas vezes associados à proteína do citoplasma denominada clatrina que forma uma depressão na membrana; quando um receptor se liga a uma molécula, a depressão aumenta até se transformar num vacúolo rodeado de clatrina, que entra na célula.
A clatrina é uma proteína que desempenha um importante papel no processo de formação de vesículas membranares no interior das células eucariontes, as quais são responsáveis pelo transporte de material proveniente da membrana plasmática, entre os compartimentos endossomais e da face trans do aparelho de Golgi.
Quando a relação parasitária se estabelece, o material genético virótico assume o comando da célula, voltando quase que exclusivamente o metabolismo para originar centenas de novos vírus em questão de minutos.
CoViD 19
Os coronavírus são zoonóticos e se tornaram os principais patógenos emergentes responsáveis por doenças respiratórias.
Trata-se de uma grande família de vírus de RNA de fita simples pertencentes à ordem Nidoviralis, família Coronavirinae e subfamília orthocoronavirinae a qual pertence o novo coronavírus.
A subfamília Orthocoronaviridae, a qual pertence o novo coronavírus, denominado pelo Comitê Internacional de Taxonomia de Vírus (ICTV) de SARS-CoV-2, é ainda subdividido em 4 gêneros: alfa (coronavírus 229E e NL63), beta (coronavírus OC43, HKU1, SARS-COV e MERS-COV), gama e delta.
Os coronavírus alfa e beta são capazes de infectar mamíferos, incluindo humanos, enquanto que os coronavírus gama e delta tendem a infectar aves.
Os Coronavírus que infectam aves são monitorados há muitos anos nos criadouros domésticos devido ao seu possível impacto na produção e na economia. Porém, em aves silvestres, há poucos estudos disponíveis.
O artigo “Divergent coronaviruses detected in wild birds in Brazil, including a Central Park in São Paulo” (Coronavírus divergentes detectados em aves silvestres no Brasil, incluindo um Parque no Centro de São Paulo), publicado na revista Veterinary Microbiology em 2019, apresentou uma retrospectiva da presença de um Coronavírus conhecido como Vírus da Bronquite Infecciosa (IBV) em aves silvestres no ambiente natural.
Das 746 aves amostradas, coletadas de 2006 a 2013 em diferentes regiões do Brasil, apenas 6 tiveram a presença de Coronavírus dos grupos delta e gama confirmadas, nos estados do RS (Lagoa do Peixe) e SP (Parque Ibirapuera).
Parque Nacional da Lagoa do Peixe, Mostardas e Tavares, RS
Estes vírus tem uma importância maior na parte ecológica, para o entendimento da disseminação do vírus entre as aves silvestres e domésticas.
Em outras palavras, o que queremos mostrar é que temos um vírus (não patogênico para humanos), que circula entre as aves e pode causar problemas econômicos futuros”, explica Jansen de Araujo, pesquisador do Laboratório de Virologia Clínica e Molecular da Universidade de São Paulo e um dos autores do artigo.
Muitos grupos de aves migratórias passam por localidades na América Central, nos Estados Unidos e no Canadá antes de chegarem ao Brasil para passar o período não reprodutivo nos trópicos.
Um dos locais de pousio no Brasil é o Parque Nacional da Lagoa do Peixe (RS), no qual a pesquisa detectou a circulação de coronavírus em aves migratórias como o talha-mar (Rynchopus niger), o maçarico-branco (Calidris alba) e o maçarico-de-sobre-branco (Calidris fuscicollis).
A pesquisa também encontrou o coronavírus em três ganso-chinês (Anser cygnoides) no Parque Ibirapuera em São Paulo.
O Vírus da Bronquite Infecciosa (IBV) aviário é um coronavírus de grande importância econômica, encontrado também em aves silvestres e domésticas.
As aves podem portar CoVs, que causam lesões em trato gastrintestinal, respiratório, urinário e reprodutor, levando a taxas de mortalidade de cerca de 30% e quedas bruscas na produção de ovos (em granjas).
O estudo do Dr. Jansen foi destinado a entender a possibilidade de disseminação deste vírus carreados por aves migratórias. Observamos que é possível um vírus que está circulando no hemisfério Norte viajar até o hemisfério Sul através de rotas migratórias.
Os vírus que encontramos pertencem ao grupo Gama e Delta. O Coronavírus circulante atualmente, COVID-19, está em outro grupo.
Neste artigo é dito que existem poucos estudos no Brasil para dizer se os vírus detectados no Parque Ibirapuera, SP, e na Lagoa do Peixe, RS representam riscos para as colônias de aves migratórias presentes nestes locais e para os criadouros de aves domésticas.
Acreditam que aves migratórias podem trazer vírus de outros continentes para nosso país e infectar outras aves se houver o contato direto. É importante que fiquemos atentos para que estes eventos sejam monitorados para que medidas de controle possam ser tomadas rapidamente.
Não é possível afirmar, segundo Jansen, que as aves migratórias sejam capazes de hospedar o CoViD 19, pois não temos nenhum estudo relacionado a isso aqui no Brasil ainda.
O novo coronavírus possui um material genômica de RNA fita simples sentido positivo, ou seja, serve diretamente para síntese proteica, assim ocorre uma maior velocidade na geração de novas cópias de vírus na célula infectada.
São envolvidos por uma capa de gordura e proteína, e seu tamanho é de aproximadamente cem nanômetros (um milionésimo do milímetro). Além também da presença de várias proteínas em sua superfície, dentre elas está a Proteína Spike, ou Proteína S, que é uma espícula glicoproteica que se liga fortemente à enzima ECA2, presente em algumas de nossas células, o que torna sua infecção mais fácil.
E é essa proteína característica que faz com que os coronavírus sejam nomeados assim: sua conformação ao redor dos vírus lembra ligeiramente uma coroa.
Possui outra importante proteína em sua membrana chamada hemaglutinina esterase responsável pela sua entrada na célula hospedeira.
Há mais de 1.000 sequenciamentos genéticos do novo coronavírus já realizados, basicamente divididos em três grandes grupos, segundo os pesquisadores: A, B e C, sendo B derivado de A, e C derivado de B.
Estudo da Universidade de Cambridge dividiu os primeiros casos da doença em 3 grandes grupos A, B e C .
O tipo A é considerado o “original”, que está mais próximo do vírus encontrado em morcegos e pangolins, dois animais que têm sido associados ao início da pandemia. Não se sabe até agora, porém, como o vírus chegou até o primeiro paciente humano.
O tipo B tem maior incidência no Leste da Ásia, mas não se espalhou muito a partir dali, afirmam os pesquisadores. Isso pode ter acontecido, segundo eles, porque o vírus pode ter encontrado resistência imunológica ou ambiental para se espalhar entre pessoas de outras localidades do mundo.
O tipo C é considerado o majoritário na Europa, e foi encontrado nos primeiros pacientes de países como França, Itália e Suécia. Essa categoria de sequenciamentos genéticos também inclui o Brasil.
Os casos que surgiram no Brasil são muito mais ligados ao vírus que circulou na Europa do que aquele que apareceu na China. “A rede algorítmica (que analisou a proximidade das variações do vírus em cidadãos de diversos países) reflete uma ligação mutante entre o genoma viral da Itália e do Brasil”, escrevem os autores da pesquisa.