O mistério de como a malária se tornou uma doença letal para os seres humanos foi desvendado por um estudo genético publicado recentemente.
A pesquisa, liderada por cientistas do Instituto Wellcome Sanger, em Cambridge, comparou sete tipos diferentes da enfermidade, montando a árvore filogenética (representação gráfica da evolução) do parasita que a provoca.
O trabalho, publicado na revista científica Nature Microbiology, revelou que, há cerca de 50 mil anos, os parasitas se dividiram em dois ramos evolutivos, com um deles evoluindo para se tornar uma espécie que infecta humanos e provoca uma doença com alto índice de mortalidade.
Uma das causas dessa divisão foi uma mutação que permitiu que o protozoário causador da malária conseguisse infectar os glóbulos vermelhos do sangue.
“Nosso trabalho juntou a peças para reconstruir os passos da evolução que permitiram que o parasita pudesse não apenas entrar no corpo humano, mas ficar, se reproduzir e ser retransmitido por mosquitos”, diz o especialista em parasitologia Matt Berriman, um dos autores do estudo.
Mortes no mundo todo
De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), a malária atinge mais de 200 milhões de pessoas anualmente. Só em 2016, quase meio milhão de pessoas morreram com a doença – na maioria, crianças menores de cinco anos.
A espécie que mais causa mortes no mundo é o Plasmodium falciparum – ela infecta o corpo humano por meio da mordida do mosquito-prego.
Mas há uma série de outras espécies que atingem grandes primatas, como chimpanzés e gorilas.
Para estudar as outras espécies, os pesquisadores tiveram a colaboração de um time que cuida de primatas feridos ou órfãos em um santuário no Gabão.
Durante exames de saúde de rotina, os veterinários colheram amostras de sangue dos animais, que continham um “histórico” dos parasitas em seu corpo. Os cientistas, então, usaram os códigos genéticos dos protozoários para traçar seu caminho evolucionário.
Para bichos maiores, esse tipo de estudo normalmente é feito com fósseis, mas no caso dos parasitas não existe essa possibilidade.
Comparando os genomas das diferentes espécies de parasitas, os pesquisadores conseguiram identificar exatamente como uma parte dos genes foi mudando ao longo do tempo, e como isso levou ao Plasmodium falciparum, a especie mortífera para humanos.
Parentes próximos
Os pesquisadores analisaram sete tipos de micróbios da malária – três que atacam chimpanzés, três que atingem gorilas e a espécie que infecta humanos.
A linhagem do Plasmodium falciparum surgiu há 50 mil anos, mas se tornou mortífera para pessoas há cerca de 3 mil ou 4 mil anos.
“A expansão do humano moderno criou um ambiente no qual os parasitas evoluíram especificamente para atacar humanos”, explica Berriman.
A professora Janet Hemingway, diretora da Escola de Medicina Tropical de Liverpool, diz que a descoberta é muito importante, pois mostra o momento em que o parasita cruzou a barreira entre as espécies e isso pode ajudar a ciência a reconhecer – e até evitar – padrões que possam levar ao mesmo cenário no futuro com outras enfermidades.
Há diversas doenças hoje que atingem apenas animais ou que são transmitidas apenas de animais para humanos, mas não de uma pessoa para outra diretamente ou por meio de vetor.
“Todo mundo pensa na malária como uma doença humana, mas ela começou como uma doença que atingia apenas animais”, diz Hemingway. “É um trabalho que mostra porque é tão importante reagirmos à atual tendência de vírus e parasitas animais começando a infectar humanos. Não podemos dar a chance de eles se tornarem permanentemente transmissíveis de pessoa para pessoa.”