Entrevista com a Dra. Ana Cecília do Instituto Evandro Chagas – IEC

6 min. leitura
Ana Cecilia Ribeiro Cruz - Pragas e Eventos

Pragas & Eventos: Dra. Ana Cecília, Quais as razões pela escolha desse campo do conhecimento da Biologia/ Saúde Pública? Qual é a importância de estudar os vírus que ocorrem nos artrópodes vetores?

Dra. Ana Cecília (resposta):

Eu tomei a decisão de estudar arbovírus e vírus zoonóticos de importância na saúde pública desde o meu mestrado na década de 90 e, naquele momento o Brasil, vivenciava a introdução do vírus da dengue e sua expansão, isso me despertou para melhorar meus conhecimentos e as decidi construir minha carreira pautada em virologia na saúde publica.

Há um grande quantitativo de vírus transmitidos por artrópodes (mosquitos) com potencial patogênico e epidêmico, a presença e proliferação dos mosquitos transmissores estão altamente ­relacionados com as condições ambientais, que com o processo de urbanização das cidades de forma desordenada, contribuiu para o aumento da densidade populacional desses artrópodes vetores. Um outro fator importante é que o mosquito, uma vez infectado, pode transmitir para sua prole por várias gerações, mantendo o ciclo de transmissão. Por isso, a melhor forma de controle é a eliminação dos criadouros que favorecem a sua procriação.

Pragas & Eventos: Recentemente seu grupo de pesquisa publicou um trabalho com um gênero, os Mansonia, diferente de outros mosquitos, os quais não estão associados à transmissão de patógenos aos humanos no Brasil? Por que os Mansonia se tornaram importantes que chamou a atenção de vocês para estudá-los?

Dra. Ana Cecília (resposta): O principal interesse de investigar arbovirus nesse mosquito (Mansonia) se deu pelo fato de já existir detecção do Vírus da encefalite Saint Louis (Arbovirus) na Argentina em Mansonia pseudottilians, associado a dados de estudos sorológicos em equinos no Brasil, que apontam a presença de anticorpo para esse vírus em mais de 50% de soros de cavalos na Amazônia brasileira, nos leva a buscar quais são os vetores que possam estar associados a esta espécie viral, causadora de encefalite, tanto em animais como no homem. Como esta espécie de mosquito está presente em áreas de alteração ambiental, temos sempre que investigar se ele está ou não albergando algum vírus de interesse na saúde pública. Como esse mosquito (Mansonia) estava em densidade elevada na área de estudo, nos interessamos em verificar os tipos virais que poderiam estar presente e circulando na região.

Pragas & Eventos: No artigo intitulado “Discovery and genome sequencing of a new virus related to members of the family Tymoviridae, isolated from mosquitoes of the genus Mansonia in Brazil” – vocês encontraram um novo vírus em um mosquito Mansonia ainda não descrito pela ciência? Qual é a importância dessa descoberta? Por que foi dado o nome de vírus Mutum?

Dra. Ana Cecília (resposta): Esse artigo mostra a presença de um novo vírus que vive nesse mosquito (Mansonia), os animais possuem uma microbiota própria, que muitas vezes não são patogênicos e a Amazônia ainda apresenta muitos mistérios em sua biodiversidade. Se pararmos para pensar, muitos vírus são de origem zoonóticas, que no passado não infectavam e/ou não causavam doenças, mas com as adaptações em diferentes hospedeiros isso pode mudar.

Pragas & Eventos: A Virologia já conhece alguma característica sobre a biologia dos vírus da família Tymoviridae? Já se sabe a origem desses vírus?

Dra. Ana Cecília (resposta):

Essa família Viral (Tymoviridae) é muito conhecida entre os virologistas que estudam vírus de plantas, a presença dele em animais ainda é pouca conhecida, mas já sabemos que muitos vírus zoonóticos possuem relação de origem com os vírus de plantas, este pode ser um caso, principalmente aqueles animais que se alimentam de vegetais e podem ser infectados, permitindo a adaptação do vírus em seu organismo. Ainda há muito a conhecer e espero contribuir cientificamente com esse e outros achados.

Pragas & Eventos: Trabalhos como esse do Mansonia podem gerar vários novos estudos ou desdobramentos. Quais as possibilidades de estudos adicionais seu grupo vislumbra a partir dessa publicação?

Dra. Ana Cecília (resposta): Este estudo nos estimula a investigar a presença desse vírus em animais vertebrados para saber se pode haver algum ciclo de transmissão, ou seja, se pode ser considerado um arbovírus. Também podemos realizar estudos experimentais para o entendimento de como acontece seu ciclo de replicação, já que infecta células de insetos.

Pragas & Eventos: Aprendemos que Mansonia é uma fauna pouca estudada. Existe a possibilidade de dar continuidade a projetos que contemplem os Mansonia? Há muito por descobrir ainda?

Dra. Ana Cecília (resposta): Sim, queremos continuar nossos estudos de investigação. Principalmente com os mosquitos, gostaríamos muito de continuar essa parceria, para nós é muito importante conhecermos a diversidade viral na Amazônia e seus hospedeiros.

Ana Cecilia Ribeiro Cruz 1 - Pragas e Eventos
Dra. Ana Cecília

Artigo Completo: https://link.springer.com/article/10.1007/s00705-022-05475-x

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